Luciney Araújo
Cientista Social
Foto: Luciney Araújo
“... bem junto ao solar, se agrupavam os angolas – gente festeira, também, barulhenta, que já andava toda em volta de um candongueiro, num baticum ferrenho... [1]“.
A escravidão remodelou as famílias africanas trazidas como escravo para a América. Submetendo-as a um ritmo de trabalhado compulsório, impôs novas crenças e um novo modo de vida cotidiana que pressupunha uma nova maneira de contar o tempo e de concebê-lo. A cultura religiosa africana foi desenvolvida no Brasil através do conhecimento de sacerdotes negros, que com parte de seu povo, foram capturados e escravizados entre 1532 e 1888, juntamente com seus Deuses[1]. Com o "fim" da escravatura em 1888, o candomblé[2] se expandiu consideravelmente, e prosperou muito desde então.
Os primeiros autores que estudaram as religiões de matriz-africana indicavam a existência de outras formas de manifestação religiosa que se diferenciavam de algumas casas de cultos tradicionais da cidade de Salvador, como é o caso das Nações Angola e Jeje. Autores como Edson Carneiro[3] (1991), Artur Ramos[4] (1962), Ruth Landes[5] (1967), Nina Rodrigues[6] (1988) já apresentavam em seus estudos uma diversidade étnica entre os descendentes de africanos que tinham o candomblé como religião. Até a primeira metade do século XX os estudiosos apresentavam o candomblé como uma única religião oriunda do continente africano. Com o desenvolvimento dos estudos sobre religiões de origem africana se percebeu que haviam diferenças entre as “nações”.
No livro “A Cidade das Mulheres” Ruth Landes (1967) aponta o candomblé como um “culto feiticista africano” e que gira em torno de “uns dez deuses oriundos do oeste africano”, precisamente das regiões onde o tráfico de negros para o Brasil fora intenso, especificamente da nação nagô. Com isso, as pesquisas realizadas sobre as religiões de matriz africana no Brasil até meados da década de 1980, apontam uma predominância dos cultos nagôs sobre as demais nações que se estabeleceram com a diáspora africana.
Estudos apresentados por Edson Carneiro apontam que desembarcaram no Brasil, negros pertencentes a outras nações, como é o caso dos negros Bantos, levando a crer que a o candomblé realizado no Brasil possui elementos pertencentes a outras etnias e clãs oriundos do continente negro e que com sua diáspora, e até mesmo o local de trabalho para onde esses negros eram encaminhados, colaboram para um sincretismo religioso onde muitas vezes nações africanas se misturavam e juntavam elementos para preservação de sua cultura religiosa.
Autores como Reginaldo Prandi[7] (1991), Sérgio Ferretti[8] (1983), Stefania Capone[9] (2004) começam a desmistificar a noção de que o candomblé era uma nação pura, e inicia apresentação das diferentes nações que formam o candomblé no Brasil.
A legitimidade e a pureza, apresentada nas diversas nações de candomblé, existentes na cidade de Manaus, partem da premissa da chegada dos negros no Amazonas. Essa legitimidade, tanto no Candomblé de Angola como no de Nação Ketu utiliza a categoria de pureza na demarcação de sua categoria a fim de marcar sua identidade e legitimação.
Em estudos sobre religiosidade de matriz africana na região amazônica, o Antropólogo Sergio Ferreti (1983) apresenta uma lacuna sobre dados dessas religiões no Estado do Amazonas, apontado para o fato da presença de escravos na região amazônica ser pouco estudada e também pela proporção de números de escravos que vieram para a região. Os estudos mais conhecidos sobre as religiões de matriz africana no Estado do Amazonas, obras são dos pesquisadores Chester Gabriel[10] (1985), Nunes Pereira[11] (1947), Mario Ypiranga Monteiro[12] (1983) e comunicações do pesquisador Geraldo Pinheiro a Nunes Pereira. No ano de 2005, a Cientista Social, Glacy Ane A. de Souza[13], apresentou seu trabalho monografia intitulado “A Festa do Povo de Santo”, na qual faz uma leitura etnográfica de três terreiros de candomblé na cidade de Manaus.
Na cidade de Manaus, assim como em outros centros do país a instituição do Candomblé de Angola como religião data apenas da segunda metade do século XX[14]. Diferente das outras cidades Manaus sofria uma grande influência de terreiros de origem Jeje[15], elementos indígenas, de umbanda e batuques[16], conforme relatos de Chester Gabriel (1985) de que “em Manaus, no período de 1970-73, todos os grupos pareciam ter ainda uma forte base de catolicismo”[17].
Gabriel (1985) afirma que:
“Nesse período todos os grupos existentes em Manaus eram considerados de cultos mistos e a denominação religiosa que mais se aproximava do candomblé era o batuque”.
O autor afirma que, esses batuques que eram realizados na cidade foram apresentados como de linhagem africana devido o uso de tambores, e tinham suas origens casas de culto afro tradicionais como as de Belém e do Maranhão.
No entanto:
“Os batuques que se encontram em Manaus, hoje não são mais o que eram, naquele tempo; nem se assemelham às descrições da Casa das Minas que ainda existem em São Luiz no Maranhão”[18].
O autor apresenta a denominação do batuque em Manaus, apresentando o batuque como de linhagem africana, Angola ou até mesmo africano, mas não apresentavam elementos encontrados nos candomblés africanos, como os rituais de iniciação, feitura e entre outros, pois os batuques que eram apresentados em Manaus não apresentavam esses elementos, e pouca coisa o distinguia como africano ou de tradição africana pura.
O autor afirma que:
“O batuque nunca funcionou totalmente como casa de culto Mina-Nâgo. Nenhum dos filhos/filhas recebeu iniciação completa, como o retiro na “camarinha”... como é costume naquele culto. Os filhos/filhas deste batuque simplesmente foram submetidos a um banho especial de ervas... aplicado à cabeça do médium para reconhecer e confirmar seus caboclos. Tampouco os rituais dos centros eram inteiramente Mina-Nâgo, exceto pelo fato de terem tambores, o tipo da decoração e a observância de certos dias de festa”[19].
Com isso, os dados apresentados pelo autor apontam que, até meados da década de 1970, a inexistência de um Candomblé de Nação Angola, ou seja, a predominância de cultos denominados afros era representada pelo Batuque, na qual apresentava elementos sincréticos com outras formas religiosas, como o catolicismo, o kardecismo e a pajelança.
Gabriel (1985) faz um levantamento detalhado dos cultos afros na cidade de Manaus, onde o autor aponta apenas a existência de Centros, Mesinha de Cura ou Banquinha de Cura de Batuque e Tambores que até no inicio da década de 1970 eram vistos como de tradição africana ou linha africana, porém não se faziam os rituais completos de iniciação e nem festas dedicados os Inkissess. Esses dados levantados por Gabriel vão ao encontro com relatos e entrevistas coletados no Abassá de Angola, de que apenas em 1975, com a chegada do Tata de Inkissess baiano Wilson Falcão que se teve o primeiro toque para Inkisses em terras amazonenses, que fora realizado.
O candomblé é fruto de tradições e nações – jeje, nagô ou angola-, os terreiros são frutos de um processo histórico, uma nova reconstrução de identidades de tradições religiosas africanas e que preza uma visibilidade e uma reaproximação com um complexo cultural-religioso africano, onde a oralidade e a incorporação de novos símbolos visam buscar essa reafirmação e constitui uma filosofia de vida, Geertz aponta que:
(...) significados transmitidos historicamente, incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades e relação à vida[20].
Nos depoimentos colhidos durante as pesquisas de campo realizadas no Abassá de Angola, o posicionamento de ambos informantes aponta que foi Tata de Inkisses Wilson Falcão Real a pessoal responsável pela formação da primeira família de candomblé de Angola em Manaus, datando de meados da década de 1970.
O babalaxé Jorge Nascimento conta que em Manaus não existia candomblé de Angola, e que segundo ele, o que se tinha como religião de matriz africana era a encantaria e a umbanda, conforme seu relato:
“O que tinha muito em Manaus era o Tambor de Mina, eram os mineiros que dominavam com a encantaria de mina. Não existia candomblé no Amazonas. A primeira vez que o Wilson veio pra cá, ele fez candomblé na casa do seu Raimundo Branco que era no São Jorge e que era terreiro de mina. E ele fez e apresentou o candomblé pela primeira vez ao Amazonas, e ninguém sabia o que era porque não se cantava em língua banto e em língua ioruba. Só era o povo de mina, e se cantava mina e se falava o português.” (Depoimento de Jorge Alberto).
Segundo relatos da Sacedortiza de Angola Mameto Lembajinam:
“Foi o senhor Wilson Falcão Real (Tata Mutalembê[21]), responsável pelo primeiro toque de Candomblé de Angola no Amazonas (...) e foi realizado em uma casa de Tambor de Mina pertencente a Raimundo Branco.” (Depoimento de Mameto Lembajinam).
O próprio babalaxé Jorge Nascimento, afirma que o Candomblé de Angola em Manaus teve inicio com Tata Mutalambê, abordando que:
“Existe por conta de Wilson Falcão Real, que foi quem veio de Brasília para vim para cá, após ter saído de Salvador para o Rio de Janeiro, lá do Rio de Janeiro e me Salvador ele já era criado dentro de roda de candomblé. De Salvador ele foi para o Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro ele encontrou sua tia carnal que era ialorixá e que foi quem o iniciou na religião, que eu não estou lembrado do nome agora, mas minha mãe sabe e eu tenho anotado em algum lugar; (...) Na verdade, a primeira casa a ministrar candomblé em Manaus foi à casa de Raimundo Branco com o recolhimento do primeiro barco em Angola, e foi a primeira vez que o candomblé foi apresentado para o Amazonas, e foi em Angola..” (Depoimento de Jorge Nascimento).
Com isso, ambos os depoimentos apontam que o surgimento da Nação Angola em Manaus, tem com responsável Falcão Real (Tata Mutalembê).
Comparando os depoimentos colhidos no Abassá de Angola com dados apresentados por Chester Gabriel (1985), levam a crer que a instituição do Candomblé de Angola de Angola deu-se em meados da década de 1970 e apontam Wilson Falcão Real como precursor da religião na cidade de Manaus e promovendo a saída de um primeiro barco[22] de iniciados no candomblé de Angola.
Nascimento, afirma que Wilson Falcão Real veio para o Amazonas a convite do Sacerdote de Mina Raimundo Branco, e constatou que não existia o candomblé de Nação em Manaus. Em seu depoimento Nascimento, afirma que sua a chegada de Wilson data do final da década de 1970, e em 1978 se teve pela primeira vez em Manaus um festa dedicada a deuses africanos. Segundo seus relatos:
“Foi no fim da década de 1970 em 1978 por aí assim. Mas o que foi quê aconteceu, foi quando foi apresentado o candomblé no Amazonas, foi à primeira vez em que ele fez um candomblé. E ele veio fazer e foi embora, voltou para Boa Vista, e de Boa Vista foi para Brasília e de Brasília retornou para o Amazonas de novo, e dessa vez fixando residência aqui. Foi quando saiu o primeiro barco de candomblé, o primeiro barco de Angola em Manaus, e que foi o barco de minha mãe. (...) E foi a primeira vez que o povo viu Orixá aqui no Amazonas, e que foi o barco dela, que saiu ela, que foi a primeira Oxum[23] raspada dentro do Amazonas” (Depoimento de Jorge Nascimento).
No ano de 1975, Wilson Falcão Real vem a Manaus a convite do Sacerdote de Mina Raimundo Branco, para acompanhar os festejos das entidades da casa, e passa a ser a figura central da constituição do Candomblé de Nação Angola no Amazonas. Sendo que três anos após sua chegada tiraria o primeiro barco de candomblé e fundaria o Candomblé de Nação Angola em Manaus.
Nascimento, conta que Wilson vem para Manaus apenas acompanhar um festa de Tambor de Mina, e acaba ficando na cidade e estruturando o candomblé em Manaus, segundo seu relato:
“O seu Raimundo Branco nas suas andanças pelo Maranhão trouxe um outro personagem dessa história, que tem como nome africano Bessi, que Bessi era um amigo de Wilson e que tinha vindo pra cá Manaus fazer uma festa de mina na casa de seu Raimundo Branco, e aproveitou e trouxe o Wilson, e o Wilson veio, e foi a primeira vez que o Wilson veio para cá. Inclusive minha mãe era para ser filha de Bessi, que tem o nome de batismo Guilherme. Então apareceu essa figura que trouxe o Wilson para cá, e que na verdade foi a principal responsável por tudo isso aqui, porque se não tivesse trazido o Wilson para cá, ele não retornaria e hoje não existiria essa casa. Que eu acredito que, ele não pensava em vir a Manaus, tudo isso na década de 1970”. (Depoimento de Jorge Nascimento).
O candomblé de angola funda sua própria estrutura organizacional em Manaus no ano de 1978, iniciando novos adeptos na religião. Esses novos iniciados passaram por uma preparação espiritual[24] para poder receberem suas entidades e exercerem cargos dentro do Angola. Alguns se tornariam mais tarde sacerdotes e sacerdotisas. Carneiro (1991) afirma que:
“Depois de efetivamente admitidas na comunidade, essas iniciadas se consideram filhas espirituais dos chefes do candomblé – é nesse sentido que se aplica a palavra mãe. Desde que toda a gente, dentro ou fora do fora do candomblé, tem um espírito protetor, que deve habitar o seu corpo, e desde que o chefe do candomblé precisa preparar a iniciada para receber,[25]” em si mesma, a visita mais ou menos freqüente da divindade, - um processo que exige tempo, convivência diária, prática de um conjunto de cerimônias secretas no interior do candomblé, com orquestra especial de tambores e de instrumentos musicais africanos.
Reginaldo Prandi[26] faz a seguinte definição sobre barco de yaôs:
“Conjunto de iniciados que são recolhidos, feitos e apresentados em público numa mesma época. (...) Há uma relação hier rquica entre eles, de tal modo que o primeiro tem precedência sobre todos os demais, o segundo sobre os que o seguem e assim por diante".[27]
Segundo afirmações do babalaxé Jorge Nascimento, o termo “Barco” no candomblé referi-se a um ritual de confirmação de mais de uma pessoa na religião, em seu depoimento sobre o candomblé de Nação Angola, ele expõe sobre esse ritual, pois segundo Jorge Nascimento:
“É o nome, é a festa de nome, é como o ritual é conduzido. É conduzido dentro dos costumes Bantos, que é o povo de Angola. O Banto é o povo de Angola, então dentro de isso aí, dentro dos rituais e dos costumes dos Bantos que foi ministrado a iniciação. O que a gente chama “tirar” no Angola é a mesma coisa que iniciar. É tirar de dentro do ronkó.” (Depoimento de Jorge Nascimento).
Mãe Dora conta que para a saída do primeiro barco de iaôs, Tata Wilson trouxe outras pessoas que pertenciam a religião e que possuíam cargos dentro do candomblé e conheciam os mistérios da religião; conforme seu depoimento:
“E veio Macota Izaura que é de Ogum de Ronda, que é Equedi do Oxóssi de meu pai há muito tempo, só que ela não mora mais aqui, a Izaura mora em Porto Velho há muito tempo e ela veio de Brasília e mandamos buscar Lamboazaze que é o ogam, o alabê do Oxóssi do meu pai. Então nós tivemos, nós quatro tivemos como mãe criadeira a Macota Izaura de Sambalajô que é a dijina dela e mandamos buscar também o Lamboazaze que é o Geraldo de Xangô, e a dijina dele é Lamboazaze, ele foi quem nos criou, ele foi quem nos deu todos os ensinamentos, o chamado rum. Ele quem nos deu os ensinamentos de tudo que meu pai ensinou, nós tivemos apenas três pessoas e não teve aquele enxame de gente. As coisas da gente foi toda feita pelas mãos de meu pai. (1978) 30 anos de santo[28]. E eles vieram de Brasília para cá, pois meu pai tinha roça em Brasília, e veio o Lamboazaze. (...) ninguém conhecia meu pai aqui (Wilson), ninguém conhecia ele aqui, e no candomblé estava assim, Manaus inteira (saída do primeiro barco), para encurtar a conversa, no dia da nossa saída foi tanta gente, tanta gente na Casa de Raimundo Branco. A Casa de Raimundo Branco tinha um barracão aqui assim, aí tinha três degraus de escadas, porque quando subia e descia, o assoalho era de madeira, menino, o assoalho da Casa do Raimundo Branco caiu, de tanta gente, pode perguntar a Dima[29]s. A Dimas é minha irmã de santo desde essa época.” (Depoimento de Mãe Dora).
Nascimento conta que Wilson teve que buscar em Brasília pessoas iniciadas no candomblé para poder formar uma nova família de santo em Manaus, segundo seu relato:
“E como o candomblé estava sendo introduzido naquele momento, naquele instante em Manaus, não existia nada disso. Então tanto é que Wilson Falcão teve que mandar buscar Geraldo de Brasília, Geraldo Lamboazaze para auxiliá-lo na iniciação dessa primeira turma, desse primeiro barco, teve que mandar buscar Isaura que era a sua equede, porque em Manaus não existiam equedes, e teve ainda que mandar buscar ainda o Tata Mutajire, que em Manaus não existiam axogum.” (Depoimento de Jorge Nascimento).
Nascimento faz a afirmação de que Candomblé de Nação Angola não existia em Manaus, sendo que aponta apenas para existência de pessoas que praticavam a Umbanda e incorporavam caboclos, e que a casa de mina de Raimundo Branco era usada para se fazer candomblé nos dias comemorativos; conforme seu relato:
“Não tinha nada disso, Manaus só era abatazero e tambor de mina. Os cargos que tinham em Manaus era dos caras que tocavam atabaques porque não incorporavam com caboclos e as pessoas zeladoras, que não eram nem de santo, elas zelavam caboclos e encantaria, porque não existia orixá, não existia o que o povo chama de santo na linguagem popular, não existia orixá, existiam os encantados, existiam os caboclos, existiam os exus. Mas orixá no Amazonas não tinha, então os primeiros orixás a pisar em solo firme Amazônida, foi dessa primeira turma, desse primeiro barco. Então ele chamou todo esse povo de fora para auxiliá-lo, porque sozinho ele não podia fazer. Aí foi quando saiu à primeira turma. Tanto que eles foram cumprindo, o Wilson fixou residência aqui, e quando tinha que fazer alguma coisa, fazia na casa de seu Raimundo Branco, porque era o único que tinha a casa aberta e era zelador de mina e que o Wilson transformou, e passou a transformar na casa de Angola.” (Depoimento de Jorge Nascimento).
Com saída desse primeiro barco de iniciados na religião, Tata Wilson, institui a primeira família de candomblé em Manaus, cujo quais quatro pessoas foram iniciadas, ambas com ordem e Nikisses diferentes, conforme relata Mãe Dora:
“Na época em que eu fiz santo, foram quatro pessoas comigo; o Dofono foi Raimundo Branco que era de Obaluaê, a dofomutinha foi a a Zenaide que é de Oxossi; o Fomo era o Paulo de Yansã e eu fui a Fomutinha que sou de Oxum” (Depoimento de Mãe Dora).
Após a saída desse barco de yaôs, Wilson Falcão Real passou a ser visto como autoridade dentro do candomblé no Estado, ministrando o culto a principío na casa de Raimundo Branco e posteriormente passaria a uma casa de Umbanda pertencente a Maria do Flecheiro, e que se tornaria sua filha de santo. Conforme relatos de Jorge Nascimento:
“Daí todos os rituais de candomblé eram feitos na casa de seu Raimundo Branco em Angola, por Wilson Falcão, que era a maior, se tornou a maior autoridade em candomblé no Amazonas, até porque era a única autoridade de candomblé no Amazonas, até porque era a única pessoa que tinha conhecimento do culto e ministrava esse culto, e que tinha a permissão para ministrar esse culto. Então passou-se o tempo, minha mãe foi crescendo, o Wilson foi crescendo e da casa de seu Raimundo Branco o Wilson passou para a casa de Maria Dofana de Oxóssi, que era aqui no Lírio do Vale I.” (Depoimento de Jorge Nascimento).
No fim da década de 1980, Wilson Falcão Real ganha um terreno na Estrada da Cidade Nova e constrói o Inzo Muzambo Tata Multambô, local onde Mãe Dora receberia o cargo de Yakekeré da casa, e se tornaria herdeira de Wilson Falcão Real.
Jorge Nascimento relata que:
“Passou um tempo e o Wilson ganhou um terreno na estrada da Cidade Nova, e lá ele montou a roça de Oxóssi, a verdadeira casa de Oxóssi. Foi quando ele passou a ter seu próprio terreiro, a sua própria roça, que até então ele só ministrava o culto na casa dos filhos que já tinham casa aberta, e quando eram umbanda e quando eram de mina, isso já nos anos de 1980. Então ele passou a ministrar em sua própria roça;(...) E lá minha mãe recebeu o cargo de iá kekerê, que é a mãe pequena da casa, ou seja, a segunda pessoa a se costurar. Aí o que acontece, ela passa a ser a segunda pessoa do zelador de santo da casa, passou a cuidar os irmãos como mãe. Mãe pequena é aquela que ordena a casa, aquela que toma conta da casa na ausência do babalorixá ou da ialorixá de frente, titular da casa; (...)Então a partir dessa roça de Wilson onde foi feita a casa de Oxóssi, Oxóssi predeterminou que a herdeira daquela casa seria mãe Dora, ela como mãe pequena, no dia em que o Wilson chegasse a faltar, ela como a mais velha da casa é quem assumiria o cargo de ialorixá da casa, da casa de Oxóssi.” (Depoimento de Jorge Nascimento).
O Inzo Muzambo Tata Mutalambô funcionaria até o ano de 1990 ano em que Wilson Falcão Real[30] falece após uma parada cardíaca decorrente de uma agressão sofrida em frente a sua residência. Sendo que no ano de 1992, o terreno em que a roça de candomblé ficava localizada fora vendido sendo reaberta em 1996 em outro lugar após promessa feita por Mãe Dora.
Considerada a extensão do Inzo Munzanbo Tata Mutalembê o Abassá de Angola da Danda Keumaze é fundado no ano de 1996, em um terreno pertencente a família de Mãe Dora, preserva em sua estrutura religiosa elementos fincados por Wilson Falcão Real, tendo em sua essência os costumes do candomblé de Angola e em sua liturgia o culto a Nkisses, caboclos e boiadeiros. Após uma dádiva recebida por Mãe Dora, sendo ela Negua Guendala[31] de Tata Wilson herdara a primeira Roça.
A lacuna existente nos estudos sobre negros no Amazonas e principalmente estudos referentes à sua religiosidade é uma das dificuldades enfrentadas na construção pesquisa sobre o candomblé de Angola em Manaus, os dados encontrados na construção dessa pesquisa apresentam uma forte influencia das casas de culto de Tambor de Mina, como foram apontados por Chester Gabriel (1985), de que na primeira metade da década de 1970, existia em Manaus uma predominância de casas de Tambor de Mina. Com a chegada de Wilson Falcão Real na década de 1970, uma nova configuração das casas de culto afro se formaria na cidade, ou seja, a fundação de um Abassá, a saída de um barco de yaôs e muzenzas, a constituição de uma família-de-santo e a chegada de pessoas que exerciam “cargos” dentro da religião, ajudaram na formação de uma nova denominação religiosa na cidade.
Os relatos apresentados por Mãe Dora apontam a importância de Wilson Falcão Real em sua vida, além de seu Tata de Inkisse, Wilson se tornaria amigo, confidente e até mesmo assumindo uma figura de pai. Sua iniciação no candomblé no ano de 1978 aponta novos rumos para essa religião no Estado, e configurou também em sua preservação, reorganização, reestruturação em um novo Abassá e uma nova família de santo.
Existem em Manaus hoje, duas casas de candomblé de Angola, ambas localizadas no bairro do Lírio do Valle, com duas irmãs de santo em sua direção, Mãe Dora e Mãe Dimas, ajudam na preservação da memória de Tata Wilson Falcão Real, consideradas por elas como responsável pela iniciação de ambas Mametos de Nkisses na religião e na preservação dos costumes e ritos dos antepassados africanos.
Mãe Dora possui nove pessoas confirmadas como seus filhos de santo que são eles: Jeferson Coelho[32] que é o primeiro filho de Santo de Mãe Dora Altemar, Greice, Fabiano, Patrícia, Ruth, Pedro (Dinho), Carlos, Alberto (Betinho) e Janeth (Mameto Lembajinam). E que segundo relatos da sacerdotisa: “sem meus filhos o Candomblé de Angola não tinha força e são eles os responsáveis pela continuação a tradição na qual permaneço fiel a meu pai Wilson”.
[1] Orixás, IInkissess e Voduns.
[2] Olga Gudolle Cacciatetore (1977), em seu “Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros; Com origem das palavras”, define que a palavra Candomblé provém alguns significados: Candomblé seria uma modificação fonética de "Candonbé", um tipo de atabaque usado pelos negros de Angola, ou viria de "Candonbidé", que quer dizer "ato de louvar, pedir por alguém ou por alguma coisa”, ou ainda, de origem yorubana que significa "festa", ou o nome que se dá ao local onde são realizadas; abrangendo as seguintes nações e rituais: a) sudaneses – jeje (daomeanos), nagô (iorubá) – compreendendo os rituais ketu, ijexá, nagô, oyó - e compostos; b) Bantos – angola, congo e compostos; c) com influência indígena – candomblé de caboclo. Os deuses (Orixás) e rituais dos iorubá (nagô) predominaram e influíram sobre os outros. (Cacciatetore ,1977: 79).
[3] CARNEIRO, Edson: Religiões Negras - Negros Bantos. Editora Civilização Brasileira, 3° Edição. Rio de Janeiro, 1991.
[4] RAMOS, Arthur: Introdução à Antropologia Brasileira. Obras Complementas 1° Volume 3° Ed, Editora da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro, 1961.
[5] LANDES, Ruth: A Cidade das Mulheres. Tradução de Maria Lúcia do Eirado Silva. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1967.
[6] RODRIGUES, Nina: Os Africanos no Brasil. Editora UnB, Brasília; 7º Edição, 1988.
[7] PRANDI, Reginaldo: Os Candomblés de São Paulo - A Velha Magia na Metrópole Nova. São Paulo, Hucitec, 1991
[8] FERRETTI, Sergio F: Querebentã da Zomadonu. Etnografia da Casa das Minas. São Luís: EDUFMA, 1996, 2 ª Ed.
[9] CAPONE, Stefania: A Busca da África no Candomblé - Tradição e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Pallas e Contra-Capa, 2004.
[10] GABRIEL, Chester: Comunicação dos Espíritos - Umbanda, Cultos Regionais em Manaus e a Dinâmica do Transe Mediúnico. São Paulo: Loyola, 1985.
[11] PEREIRA, NUNES, M: A Casa das Minas - O Culto dos Voduns Jeje no Maranhão. Petrópolis: Vozes, 1979
[12] MONTEIRO, Mário Ypiranga: Cultos de Santos & Festas Profano-Religiosas. Manaus, Imprensa Oficial, 1983. Nessa obra o autor apresenta dados sobre terreiros que prestam homenagens e batem os seus tambores em honra aos santos festejados; apontando uma forte influencia da umbanda e do tambor de mina.
[13] SOUZA, Glacy Ane A.: A Festa do Povo-de-Santo – Festas em Terreiros de Batuque de Manaus. 2001. 127 f. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus. 2005.
[14] Reginaldo Prandi aponta que o candomblé coma religião chega a São Paulo apenas na década de 1950. 1991: 92
[15] Dados de Chester Gabriel (1985) e Nunes Pereira (1979) apontam uma forte influência em Manaus de Cultos denominados Afros provenientes das Casas Maranhenses, como a Casa das Minas e a Casa da Turquia.
[16] Parés (2006), o termo batuque era frequentemente utilizado no século XVIII como referência aos ajuntamentos de negros que envolvem danças e toques de palmas, tambores ou outros instrumentos. PARÉS, Luis Nicolau: A Formação do Candomblé: História e ritual da nação jeje na Bahia. Editora Unicamp, Campinas, 2006. pg 121)
[17] GABRIEL Chester: Comunicação dos Espíritos - Umbanda, Cultos Regionais em Manaus e a Dinâmica do Transe Mediúnico.1985: 86
[18] Ibdem, pg: 110
[19] Ibdem, pg:113
[20] GEERTZ, Clifford: A Interpretação das Culturas. Editora LTC. Rio de Janeiro, 1989. pg 103.
[21] Nos terreiros de Nação Angola, Wilson Falcão Real tinha como sua dijina o nome Tata Mutalembê; (Notas de diário de campo do dia 05 de Abril de 2007).
[22] Reginaldo Prandi (1991) afirma que o termo Barco de iaôs é o conjunto de iniciados recolhidos e raspados ao mesmo tempo. Um barco de iaôs pode ter desde um noviço até vinte ou mais.
[23] Mãe Dora é a primeira filha de santo raspada para Dandalunda (Oxum na Nação Ketu) Notas de Diário de Campo em 21 de junho de 2006 .
[24] Carneiro afirma que “fazer o santo” vale por uma segunda educação.
[25] CARNEIRO, Edison: Religiões Negras, Negros Bantos. pg 103
[26] PRANDI, Reginaldo: Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. 1991: 245
[27] PRANDI 1991: 245
[28] Grifo meu.
[29] Mãe Dimas, também conhecida como Mameto Taumbire foi iniciada no candomblé por Tata Wilson, sendo irmã de Mãe Dora.
[30] Wilson Falcão Real nasceu na Bahia no ano de 1946, iniciou aproximadamente 45 pessoas no candomblé e chegou a exercer o cargo de Diretor do Teatro Amazonas; Notas de diário de campo em 21 de novembro de 2006.
[31] Também conhecida como Mãe Pequena de uma casa de Candomblé; (Notas de Diário de Campo em 21de Novembro de 2007).
[32] hoje é Babalorixá de Ketu (Notas de diário de campo)
Bom dia!!
ResponderExcluirSabe como eu consigo o contato de alguém das casas de angola, em manaus? endereço, telefone... algo do tipo