quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Programação do Cineclube Nangetu

Convite
- Programação do Cineclube Nangetu.
Sexta-feira, 15 de outubro - 19h.
Terra deu, terra come, de Rodrigo Siqueira.
Sinopse – “Terra deu, Terra Come” narra a história de Pedro de Almeida, garimpeiro de 81 anos de idade, que comanda como mestre de cerimônias o velório, o cortejo fúnebre e o enterro de João Batista, morto aos 120 anos. O ritual sucede-se no quilombo Quartel do Indaiá, distrito de Diamantina, Minas Gerais. Ao conduzir o funeral de João Batista, Pedro desfia histórias carregadas de poesia e significados metafísicos, que nos põem em dúvida o tempo inteiro. A atuação de Pedro e seus familiares frente à câmera nos provoca pela sua dramaturgia espontânea, uma auto “mise-en-scène” instigante.

Sexta-feira, 22 de outubro – 19h.
Redemocratização: as greves de 1979SériesVisões políticas – Classificação LIVRE. Os
três filmes que compõem este programa foram realizados por diferentes diretores com uma só motivação: narrar um importante momento da história recente do país, por meio da linguagem do cinema documentário, em obras sem personagens centrais, cujo  protagonismo é exercido pela coletividade. Arrocho salarial, opressão das multinacionais, repressão do Estado de exceção e união da classe trabalhadora são alguns dos temas urgentes da época. A paralisação dos trabalhos dos metalúrgicos do ABC
Paulista, região de forte concentração industrial do Sudeste
brasileiro, aprofundaria as graves contradições da agonizante ditadura militar e revelaria, ao mesmo tempo, o nascimento de uma figura pública que marcaria os 30 anos seguintes do cenário político do Brasil: o líder sindical Luiz Inácio “Lula” da Silva.


Ao final de cada sessão haverá roda de conversa com a comunidade do Mansu Nangetu.
Cineclube Nangetu, coordenação: Kota Mazakalanje.
Tv. Pirajá, 1194 – Marco, Belém/PA. 91- 32267599.

Candomblé no Brasil: orixás, tradições, festas e costumes


www.povodosanto.wordpress.com

Os navios negreiros que chegaram entre os séculos XVI e XIX traziam mais do que africanos para trabalhar como escravos no Brasil Colônia. Em seus porões, viajava também uma religião estranha aos portugueses. Considerada feitiçaria pelos colonizadores, ela se transformou, pouco mais de um século depois da abolição da escravatura, numa das religiões mais populares do país.

por Sílvia Campolim

Quem gosta de cachaça é Exu. Quem veste branco é Oxalá. Quem recebe oferendas em alguidares (vasos de cerâmica) são orixás. E quem adora os orixás são milhões de brasileiros. O candomblé, com seus batuques e danças, é uma festa. Com suas divindades geniosas, é a religião afro-brasileira mais influente do país.
Não existem estatísticas que dêem o número exato de fiéis. Os dados variam. Segundo o Suplemento sobre Participação Político-Social da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1988, 0,6% dos chefes de família (ou cônjuges) seguiam cultos afrobrasileiros. Um levantamento do Instituto Gallup de Opinião Pública, no mesmo ano, indicou que candomblé ou umbanda era a religião de 1,5% da população.
São índices ridículos se comparados à multidão que lota as praias na passagem de ano, para homenagear Iemanjá, a orixá (deusa) dos mares e oceanos. Elisa Callaux, gerente de pesquisa do IBGE, explica por que, tradicionalmente, os índices dos institutos não refletem exatamente a realidade: “Os próprios fiéis evitam assumir, por medo do preconceito.” Ela tem razão. A mais célebre mãe-de-santo do Brasil, Menininha do Gantois, falecida em 1986, declarou certa vez ao pesquisador do IBGE que era católica. Apostólica romana.
De seu lado, a Federação Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Fenatrab) desafia ostensivamente as cifras oficiais e garante haver 70 milhões de brasileiros, direta ou indiretamente, ligados aos terreiros — seja como praticantes assíduos, seja como clientes, que ocasionalmente pedem uma bênção ou um “serviço” ao mundo sobrenatural.
Você pode achar um exagero, e talvez seja mesmo, mas terreiro é o que não falta. Em 1980, num convênio da Prefeitura de Salvador com a Fundação Pró-Memória, o antropólogo Ordep Serra, da Universidade Federal da Bahia, concluiu um mapeamento dos terreiros existentes na região metropolitana de Salvador. Eram 1 200. “Hoje são muitos mais”, assegura Serra.
Mais recentemente, o Instituto de Estudos da Religião (ISER) verificou que 81 novos centros “espíritas” (englobando cultos afro-brasileiros e kardecismo) haviam sido abertos no Grande Rio de Janeiro no ano de 1991, e que, em 1992, surgiram outros 83. O sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo, contou, em 1984, 19 500 terreiros registrados nos cartórios da capital paulista.
Onde tem terreiro, tem festa. Por isso, para levar você ao mundo do candomblé, SUPER começa por convidá-lo para uma festa no terreiro. Agora, você conhecerá em detalhes um dos fenômenos mais impressionantes da civilização brasileira.
  Para saber mais:
A cara de Zumbi  (SUPER número 11, ano 9)
 O barracão está pronto: a festa vai começar
São nove horas da noite. Os tocadores de atabaque, chamados alabês, estão a postos em seus lugares. O público — cerca de 40 pessoas — aguarda em silêncio, acomodado em bancos rústicos de madeira. Os homens, na fileira à direita da porta. As mulheres, do lado esquerdo. Separados, para evitar um eventual namoro. Afinal, ali não é lugar para isso. Estamos num templo do candomblé, a Casa Branca, em Salvador, Bahia, o pioneiro do Brasil, fundado em 1830.A festa (que pode ser comparada a uma missa católica) vai homenagear Xangô, o deus do fogo e do trovão.
O barracão foi decorado durante toda a tarde. O teto de telha-vã foi escondido por bandeirolas brancas e vermelhas — as cores de Xangô. As paredes estão enfeitadas de flores e folhas de palmeira de dendê desfiadas. Vai começar o toque, como é chamada a festa de candomblé no Brasil. Ela é aberta a todos os orixás (deuses, que também podem ser chamados de santos) que quiserem homenagear Xangô.
O que o público vai assistir é parte de um ritual que começou horas antes. Na madrugada, os filhos-de-santo fizeram o sacrifício para o orixá homenageado. Nas primeiras horas da manhã, as filhas-de-santo prepararam a comida. Durante a tarde, foi feita a oferenda aos deuses, e Exu, o mensageiro entre os homens e os orixás, foi despachado. Entenda melhor essa preparação
 O calendário litúrgico
Muitas festas não têm dia certo para acontecer.
As festas normalmente estão associadas aos dias santos do catolicismo. Mas as datas podem variar de terreiro para terreiro, de acordo com a disponibilidade e as possibilidades da comunidade.
De maneira geral, o que importa é comemorar o orixá na sua época.
 As principais festas, ao longo do ano, são as seguintes:
 
Abril: Feijoada de Ogum e festa de Oxóssi (associado a São Sebastião), em qualquer dia.
Junho: Fogueiras de Xangô (associados a São João e São Pedro), dias 25 e 29.
Agosto: Festa para Obaluaiê (associado a São Lázaro e São Roque) e festa de Oxumaré (associado a São Bartolomeu), em qualquer dia.
Setembro: Começa um ciclo de festas chamado Águas de Oxalá, que pode seguir até dezembro. Festa de Erê, em homenagem aos espíritos infantis (associados a São Cosme e Damião). Festa das iabás (esposas de orixás) e festa de Xangô (associado a São Jerônimo), em qualquer dia.
Dezembro: Festas das iabás Iansã (Santa Bárbara), dia 4, Oxum e Iemanjá (associadas a Nossa Senhora da Conceição), dia 8. Iemanjá também é homenageada na passagem de ano.
Janeiro: Festa de Oxalá (coincide com a festa do Bonfim, em Salvador), no segundo domingo depois do dia de Reis, 6 de janeiro.
Quaresma: O encerramento do ano litúrgico acontece durante os quarenta dias que antecedem a Páscoa, com o Lorogun, em homenagem a Oxalá.
Ao som dos atabaques, o santo “baixa”
Fotografar uma festa de candomblé não é tão fácil. Na Casa Branca, é absolutamente proibido. Mas outros terreiros, como o Ilê Axé Ajagonã Obá-Olá Fadaká, em Cotia, região da grande São Paulo, são mais liberais. Nesta casa, podemos bater fotos da cerimônia em homenagem a Xangô. Mas com uma ressalva: a de jamais fotografar de frente um filho-de-santo com o orixá “incorporado”.
A casa está cheia: 85 pessoas lotam o barracão. Os atabaques começam a “falar” com os deuses. Os orixás são invocados com cantigas próprias e os filhos-de-santo “entram na roda”, um a um, na chamada ordem do xirê: primeiro, o filho de Ogum, seguido pelos filhos de Oxóssi, Obaluaiê e assim por diante.
Ao som do canto e da batida dos atabaques, cada integrante da roda entra em transe. O corpo estremece em convulsão, às vezes suavemente, outras vezes com violência. Agora, os filhos “incorporam” os orixás e dançam até que o pai-de-santo autorize, com um aceno, sua saída, para serem arrumados pelas camareiras, chamadas equedes. Logo depois, eles voltam ao barracão, vestindo roupas, colares e enfeites típicos de seu santo. Ao ouvir seu cântico, cada um começa a dançar sozinho uma coreografia que conta a origem do orixá “incorporado”.
É quase meia-noite quando os atabaques tocam as cantigas de Oxalá, o criador dos homens. Saudado Oxalá, é hora da comunhão com os deuses: os pratos são servidos aos participantes da festa. O xirê chega ao fim.
Sem música, não existe cerimônia
Tudo acontece sob a batida de três atabaques
Os três atabaques que fazem soar o toque durante o ritual também são responsáveis pela convocação dos deuses.
O rum funciona como solista, marcando os passos da dança. Os outros dois, o rumpi e o lé, reforçam a marcação, reproduzindo as modulações da língua africana iorubá — uma língua cantada, como o sotaque baiano. Além dos atabaques, usam-se também o agogô e o xequerê.
São, ao todo, mais de quinze ritmos diferentes. Cada casa-de-santo tem até 500 cânticos. Segundo a fé dos praticantes, os versos e as frases rítmicas, repetidos incansavelmente, têm o poder de “captar” o mundo sobrenatural. Essa música sagrada só sai dos terreiros na época do carnaval, levada por grupos e blocos de rua, principalmente em Salvador, como Olodum ou Filhos de Gandhi .
As divindades têm defeitos humanos
Em qualquer terreiro, a entrada dos orixás na festa segue sempre a mesma seqüência da ordem do xirê. Depois de despachar Exu, o primeiro a entrar na roda é Ogum, seguido de Oxóssi, Oba- luaiê, Ossaim, Oxumaré, Xangô, Oxum, Iansã, Nanã, Iemanjá e Oxalá.
Segundo a tradição, os deuses do candomblé têm origem nos ancestrais dos clãs africanos, divinizados há mais de 5 000 anos. Acredita-se que tenham sido homens e mulheres capazes de manipular as forças da natureza, ou que trouxeram para o grupo os conhecimentos básicos para a sobrevivência, como a caça, o plantio, o uso de ervas na cura de doenças e a fabricação de ferramentas.
Os orixás estão longe de se parecer com os santos cristãos. Ao contrário, as divindades do candomblé têm características muito humanas: são vaidosos, temperamentais, briguentos, fortes, maternais ou ciumentos. Enfim, têm personalidade própria. Cada traço da personalidade é associado a um elemento da natureza e da sua cultura: o fogo, o ar, a água, a terra, as florestas e os instrumentos de ferro.
Na África Ocidental, existem mais de 200 orixás. Mas, na vinda dos escravos para o Brasil, grande parte dessa tradição se perdeu. Hoje, o número de orixás conhecidos no país está reduzido a dezesseis. E, mesmo desse pequeno grupo, apenas doze são ainda cultuados: os outros quatro — Obá, Logunedé, Ewa e Irôco — raramente se “manifestam” nas festas e rituais.
Deuses e homens sob o mesmo teto
O terreiro, ou casa-de-santo, é simultaneamente templo e morada. A vida cotidiana dos mortais mistura-se com os rituais dos orixás. A família-de-santo (a mãe ou o pai e os filhos-de-santo, não necessariamente parentes de sangue) divide os cômodos com os deuses.
A divisão do espaço, na Casa Branca, em Salvador, lembra os “compounds” africanos, ou egbes — antigas habitações coletivas dos clãs, usadas principalmente pelos povos de língua iorubá. O cômodo principal é o barracão, o salão onde humanos e santos se encontram nas festas.
Por trás do barracão, há várias instalações comuns a uma residência: salas de jantar e de estar, cozinha e quartos — nem todos destinados aos mortais. Há os quartos-de-santo, onde ficam os pejis (altares) e os assentamentos (objetos e símbolos) dos orixás. Aí são feitas as oferendas. Na Casa Branca, os dois únicos orixás que têm quartos dentro da casa são Xangô e Oxalá.
O roncó é um quarto especial onde os abiãs (noviços) ficam recolhidos durante o processo de iniciação. Essa proximidade dos abiãs com os outros membros do terreiro é fundamental: é assim que os iniciados entram em contato com os procedimentos rituais da casa. O fiel do candomblé aprende com os olhos e os ouvidos. Ele deve prestar atenção a tudo e não perguntar nada.
Os terreiros têm também uma área externa, onde estão as casas dos outros orixás. A de Exu, por exemplo, fica perto da porta de entrada.
Sucessão: guerra à vista
A sucessão numa casa-de-santo é sempre tumultuada: basta o pai-de-santo morrer para ter início uma verdadeira guerra entre orixás. Os filhos que não concordam com a indicação dos búzios costumam abandonar o terreiro e fundar sua própria casa. Foi assim que nasceu, no início do século, o Gantois — uma das casas mais conhecidas em Salvador. A partir da década de 70, mãe Menininha do Gantois se tornou conhecida no Brasil inteiro, cantada por compositores, como Dorival Caymmi e Caetano Veloso, e venerada por intelectuais, como Jorge Amado. Mãe Menininha morreu aos 92 anos de idade, em 1986. Deixou em seu lugar mãe Creusa.
Por meses, o noviço só come com as mãos
Os filhos-de-santo são os sacerdotes dos orixás, da mesma forma como, na Igreja Católica, os padres são os representantes de Deus. Nem todos, porém, são preparados para “receber” os santos. Existem os que cuidam dos filhos-de-santo quando os orixás “baixam”, os que sacrificam os animais, os que tocam os atabaques e os que preparam a comida. Os búzios, usados como instrumento de adivinhação, é que vão dizer qual a função de cada um.
A entrada para essa hierarquia é a indicação do orixá. É o que se chama “bolar no santo”. A partir daí, o abiã (noviço) tem de se submeter aos rituais de iniciação — cerimônias do bori, orô e saídas de iaô.
Um recém-iniciado passa de um a seis meses vivendo dentro de severas restrições. É o tempo de quelê — o período em que o abiã usa um colar de contas justo ao pescoço. Enquanto usar o quelê, ele deve vestir branco, comer com as mãos e sentar-se só no chão. Estão proibidas as relações sexuais e os pratos que não sejam os de seu orixá.
Nem todos os terreiros seguem à risca todas as imposições. Mas pelo menos algumas têm de ser obedecidas: é parte do compromisso do abiã com seu orixá e seu pai ou mãe-de-santo. As obrigações não terminam por aí: o iniciado, que agora se chama iaô, terá de cumprir ainda três rituais — depois de um ano, três anos e sete anos —, com sacrifícios, toques e oferendas. Só depois ele pode se candidatar a ebômi, o degrau seguinte da hierarquia.
A sabedoria da morte e da advinhação
Como toda religião , o candomblé tem sua maneira própria de encarar a morte. Segundo a crença, a alma vive no Orum, que corresponde, mais ou menos, ao céu dos católicos. Ela é imortal e faz várias passagens do Orum para a vida terrena. Cada um tem controle sobre essas “viagens”: quem tem uma boa experiência em vida, pode escolher um destino melhor, na vinda seguinte.
Aqui na Terra, nada que se refira aos deuses e ao futuro pode ser dito sem a consulta ao Ifá, ou seja o jogo de búzios, conchas usadas como oráculo. O Ifá revela o orixá de cada um e orienta na solução de problemas.
O jogo usa dois caminhos: a aritmética e a intuição. Pela aritmética, é contado o número de conchas, abertas ou fechadas, combinadas duas a duas. Para interpretar todas as combinações possíveis dos búzios, o pai-de-santo conhece de cor 256 lendas que traduzem as mensagens dos deuses. Isso não é nada raro no candomblé, onde nada é escrito. Toda a sabedoria é transmitida oralmente.
No outro sistema de adivinhação, o intuitivo, o pai-de-santo estuda a posição dos búzios em relação a outros elementos na mesa, como uma moeda ou um copo d’água. Se o búzio cai perto da moeda, por exemplo, pode indicar que não há problemas com dinheiro. Mas é preciso estar preparado: os orixás vão “cobrar pela consulta” uma obrigação. Mãe Kutu, que foi formada pela Casa Branca e está montando seu próprio terreiro, diz: “Se não vai fazer a obrigação, é melhor nem perguntar aos búzios.”
Reza para o santo católico e vela para o orixá
Existem diferentes tipos de candomblé no Brasil, cada um deles saído de uma nação. A palavra “nação” aqui não tem nada a ver com o conceito político e geográfico, mas com os grupos étnicos daqueles que foram trazidos da África como escravos. As diferenças aparecem principalmente na maneira de tocar os atabaques, na língua do culto e no nome dos orixás.
Os povos que mais influenciaram os quatro tipos de candomblé praticados no Brasil são os da língua iorubá. Os rituais da Casa Branca, em Salvador, e da casa de Cotia, em São Paulo, descritos nesta reportagem, pertencem ao tipo Queto.
A mistura com o catolicismo foi uma questão de sobrevivência. Para os colonizadores portugueses, as danças e os ri- tuais africanos eram pura feitiçaria e deviam ser reprimidos. A saída, para os escravos, era rezar para um santo e acender a vela para um orixá. Foi assim que os santos católicos pegaram carona com os deuses africanos e passaram a ser associados a eles. A partir da década de 20, o espiritismo também entrou nos terreiros, criando a umbanda, com características bem diferentes.
Assim, o candomblé já se incorporou à alma brasileira. Tanto é que o país inteiro conhece o grito de felicidade— a sau-dação mágica que significa, em iorubá, energia vital e sagrada: Axé!
a África ao Brasil, uma boa mistura
A principal diferença entre os vários tipos de candomblé é a origem étnica.
Há quatro tipos de candomblé:o Queto, da Bahia, o Xangô, de Pernambuco, o Batuque, do Rio Grande do Sul, e o Angola, da Bahia e São Paulo. O Queto chegou com os povos nagôs, que falam a língua iorubá. Saídos das regiões que hoje correspondem ao Sudão, Nigéria e Benin, eles vieram para o Nordeste. Os bantos saíram das regiões de Moçambique, Angola e Congo para Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. Criaram o culto ao caboclo, representante das entidades da mata.
Candomblé não é umbanda
As duas são religiões afro-brasileiras.
Umbanda é a mistura do candomblé com espiritismo
Candomblé
Deuses: Orixás de origem africana. Nenhum santo é superior ou inferior a outro. Não existe o Bem e o Mal, isoladamente.
Culto: Louvação aos orixás que “incorporam” nos fiéis, para fortalecer o axé (energia vital) que protege o terreiro e seus membros.
Iniciação: Condição essencial para participar do culto. O recolhimento dura de sete a 21 dias. O ritual envolve o sacrifício de animais,a oferenda de alimentos e a obediência a rígidos preceitos.
Música: Cânticos em língua africana, acompanhados por três atabaques tocados por iniciados do sexo masculino.
Umbanda
Deuses: As entidades são agrupadas em hierarquia, que vai dos espíritos mais “baixos” (maus) aos mais “evoluídos” (bons).
Culto: Desenvolvimento espiritual dos médiuns que, quando “incorporam”, dão passes e consultas.
Iniciação: Não é necessária. O recolhimento é de apenas um ou dois dias. O sacrifício de animais não é obrigatório. O batismo é feito com água do mar ou de cachoeira.
Música: Cânticos em português, acompanhados por palmas e atabaques, tocados por fiéis de qualquer sexo.
Quem é quem (e quem faz o quê) na hierarquia de uma casa-de-santo
Cada iniciado tem uma função dentro do terreiro. Nem todos “recebem” santo.
Abiã
Noviço, primeiro degrau da hierarquia. Após iniciado, será filho-de-santo.
Iaô
Filho-de-santo, segundo degrau na hierarquia. Podem ou não “receber” santo.
Ebômi
Terceiro degrau. Iaô que cumpriu as obrigações de sete anos. “Recebe” santo.
Iabassê
Quarto degrau. Não “recebe”. É a responsável pela cozinha do terreiro.
Agibonã
Mãe criadeira. Também quarto degrau. Cuida dos iaôs durante o ritual de iniciação. Não “recebe” santo.
Ialaxé
Quinto degrau. Zela pelas oferendas e objetos de culto aos orixás. Não “recebe” santo.
Baba-quequerê e Iaquequerê
Sexto degrau. Pai ou mãe-pequena. “Recebe”. Ajuda o pai ou mãe-de-santo no comando do terreiro.
Baba-lorixá e Ialorixá
Pai ou mãe-de-santo, chefe do terreiro, último degrau da hierarquia. “Recebe” santo e joga búzios.
Ajudantes sagrados
Pais e mães “terrenos” dos orixás ficam fora da hierarquia.
Ogã
Filho-de-santo que não “recebe”. O Ogã pode ser Axogum ou Alabê, conforme sua tarefa.
Axogum
Ogã responsável pelo sacrifício de animais a serem ofertados aos orixás. Não “recebe” santo.
Alabê
Ogã tocador dos atabaques e instrumentos rituais. Não “recebe” santo.
Equede
Paralela ao Ogã. Não “recebe”. Cuida dos orixás “incorporados” e de seus objetos.
As diversas fases da iniciação 
Primeiro, o santo indica a pessoa a ser iniciada.
Depois, é preciso cumprir outros três passos:
Bolar no santo
É o mesmo que cair no santo. Este é o sinal que indica a necessidade de iniciação de uma pessoa no candomblé. Acontece sem previsão, normalmente numa festa: durante a dança e os cânticos o orixá se “manifesta” no futurofilho-de-santo, que é agitado por tremores e sobressaltos violentos. Quem já “bolou” conta que sentiu arrepios, calor, fraqueza e sensação de desmaio. Quando acorda no roncó (o quarto do terreiro reservado à pessoa que “bolou”), o abiã não consegue se lembrar de nada do que aconteceu.
O bori
É a cerimônia que reforça a ligação entre o orixá e o iniciado. O abiã se senta numa esteira, rodeado de alimentos secos, aves, velas e objetos de seu orixá. Ajudado pelos filhos já feitos, o pai ou a mãe-de-santo sacrifica aves. O sangue é usado para marcar o corpo do noviço e para banhar as oferendas ao orixá.
A cerimônia só termina quando as aves são servidas aos membros da família-de-santo. Depois do bori, o futuro filho-de-santo passa a assistir às cerimônias e a preparar o enxoval (a roupa e os adereços de seu orixá) para terminar a iniciação, com as saídas de iaô.
Orô
Confinado ao quarto de recolhimento (roncó), por 21 dias, o noviço conhece a hierarquia da casa, os preceitos, as orações, os cânticos, a dança de seu orixá, os mitos e suas obrigações. Durante esse tempo ele toma infusões de ervas, que o deixam num estado de entorpecimento e “abrem espaço” na sua mente para o orixá. A cabeça é raspada e o crânio marcado com navalha: é por esses cortes que o orixá vai “entrar”, quando for “incorporado”. No final, o iniciado é “batizado” com sangue de um animal quadrúpede, sacrificado.
Os iaôs são apresentados à comunidade, como num baile de debutante
Na primeira saída, os iaôs vestem branco em homenagem a Oxalá, pai de todos. Saúdam o pai-de-santo, os atabaques e os pontos principais do barracão e vão-se embora. Na segunda saída, os iaôs voltam com roupas coloridas e a cabeça pintada, segundo seus orixás. Dançam e deixam o barracão, em seguida.
Na terceira saída, os orixás anunciam oficialmente seus nomes. Os iaôs entram em transe e se retiram para vestir as roupas do santo “incorporado”.
Os doze orixás mais cultuados no Brasil
Cada um deles tem o seu símbolo, o seu dia da semana, suas vestimentas e cores próprias. Como os homens, são temperamentais
Exu
Orixá mensageiro entre os homens e os deuses, guardião da porta da rua e das encruzilhadas. Só através dele é possível invocar os orixás. Elemento: fogo
Personalidade: atrevido e agressivo
Símbolo: ogó (um bastão adornado com cabaças e búzios)
Dia da semana: segunda-feira
Colar: vermelho e preto
Roupa: vermelha e preta
Sacrifício: bode e galo preto
Oferendas: farofa com dendê, feijão, inhame, água,mel e aguardente
Ogum
Deus da guerra, do fogo e da tecnologia. No Brasil é conhecido como deus guerreiro. Sabe trabalhar com metal e, sem sua proteção, o trabalho não pode ser proveitoso.
Elemento: ferro
Símbolo: espada
Personalidade: impaciente e obstinado
Dia da semana: terça-feira
Colar: azul-marinho
Roupa: azul, verde escuro, vermelho ou amarelo
Sacrifício: galo e bode avermelhados
Oferendas: feijoada, xinxim, inhame
Oxóssi
Deus da caça. É o grande patrono do candomblé brasileiro.
Elemento: florestas Personalidade: intuitivo e emotivo
Símbolo: rabo de cavalo e chifre de boi
Dia da semana: quinta-feira
Colar: azul claro
Roupa: azul ou verde claro
Sacrifício: galo e bode avermelhados e porco
Oferendas: milho branco e amarelo, peixe de escamas, arroz, feijão e abóbora
Obaluaiê
Deus da peste, das doenças da pele e, atualmente, da AIDS. É o médico dos pobres.
Elemento: terra
Personalidade: tímido e vingativo
Símbolo: xaxará (feixe de palha e búzios)
Dia da semana: segunda-feira
Colar: preto e vermelho, ou vermelho, branco e preto
Roupa: vermelha e preta, coberta por palha
Sacrifício: galo, pato,bode e porco
Oferendas: pipoca, feijão preto, farofa e milho, com muito dendê
Oxum
Deusa das águas doces (rios, fontes e lagos). É também deusa do ouro, da fecundidade, do jogo de búzios e do amor.
Elemento: água
Personalidade: maternal e tranqüila
Símbolo: abebê (leque espelhado)
Dia da semana: sábado
Colar: amarelo ouro
Roupa: amarelo ouro
Sacrifício: cabra, galinha, pomba
Oferendas: milho branco, xinxim de galinha, ovos, peixes de água doce
Iansã
Deusa dos ventos e das tempestades. É a senhora dos raios e dona da alma dos mortos.
Elemento: fogo
Personalidade: impulsiva e imprevisível
Símbolo: espada e rabo de cavalo (representando a realeza)
Dia da semana: quarta-feira
Colar: vermelho ou marrom escuro
Roupa: vermelha
Sacrifício: cabra e galinha
Oferendas: milho branco, arroz, feijão e acarajé
Ossaim
Deus das folhas e ervas medicinais. Conhece seus usos e as palavras mágicas (ofós) que despertam seus poderes.
Elemento: matas
Personalidade: instável e emotivo
Símbolo: lança com pássaros na forma de leque e feixe de folhas
Dia da semana: quinta-feira
Colar: branco rajado de verde
Roupa: branco e verde claro
Sacrifício: galo e carneiro
Oferendas: feijão, arroz, milho vermelho e farofa de dendê
Nanã
Deusa da lama e do fundo dos rios, associada à fertilidade, à doença e à morte. É a orixá mais velha de todos e, por isso, muito respeitada.
Elemento: terra
Personalidade: vingativa e mascarada
Símbolo: ibiri (cetro de palha e búzios)
Dia da semana: sábado
Colar: branco, azul e vermelho
Roupa: branca e azul
Sacrifício: cabra e galinha
Oferendas: milho branco, arroz, feijão, mel e dendê
Oxumaré
Deus da chuva e do arco-íris. É, ao mesmo tempo, de natureza masculina e feminina. Transporta a água entre o céu e a terra.
Elemento: água
Personalidade: sensível e tranqüilo
Símbolo: cobra de metal
Dia da semana: quinta-feira
Colar: amarelo e verde
Roupa: azul claro e verde claro
Sacrifício: bode, galo e tatu
Oferendas: milho branco, acarajé, coco, mel, inhame e feijão com ovos
Iemanjá
Considerada deusa dos mares e oceanos. É a mãe de todos os orixás e representada com seios volumosos, simbolizando a maternidade e a fecundidade.

Elemento
: água
Personalidade: maternal e tranqüila
Símbolo: leque e espada
Dia da semana: sábado
Colar: transparente, verde ou azul claro
Roupa: branco e azul
Sacrifício: porco, cabra e galinha
Oferendas: peixes do mar, arroz, milho, camarão com coco
Xangô
Deus do fogo e do trovão. Diz a tradição que foi rei de Oyó, cidade da Nigéria. É viril, violento e justiceiro. Castiga os mentirosos e protege advogados e juízes.

Elemento
: fogo
Personalidade: atrevido e prepotente
Símbolo: machado duplo (oxé)
Dia da semana: quarta-feira
Colar: branco e vermelho
Roupa: branca e vermelha, com coroa de latão
Sacrifício: galo, pato, carneiro e cágado
Oferendas: amalá (quiabo com camarão seco e dendê)
Oxalá
Deus da criação. É o orixá que criou os homens. Obstinado e independente, é representado de duas maneiras: Oxaguiã, jovem, e Oxalufã, velho.
Elemento: ar
Personalidade: equilibrado e tolerante
Símbolo: oparoxó (cajado de alumínio com adornos)
Dia da semana: sexta-feira
Colar: branco
Roupa: branca
Sacrifício: cabra, galinha, pomba, pata e caracol
Oferendas: arroz, milho branco e massa de inhame
O toque
É o mesmo que festa e se refere à batida dos atabaques, que convoca os orixás. A estrutura da cerimônia, chamada “ordem do xirê” (brincadeira, na língua iorubá), divide a festa em três partes. A primeira acontece à tarde, com o sacrifício, a oferenda e o padê de Exu. A segunda é a festa em si, à noite, na presença do público, quando os filhos-de-santo “incorporam” os orixás. E a terceira fase, o encerramento, com a roda de Oxalá, o deus criador do homem.
O sacrifício
Acontece apenas diante dos membros da comunidade de santo e envolve no mínimo dois animais: um, de duas patas, para Exu, e outro, de quatro patas, macho ou fêmea, dependendo do sexo do orixá a ser homenageado. Quem realiza o sacrifício é o ogã axogum, um iniciado no candomblé
especialmente preparado para isso. Os bichos são mortos com um golpe na nuca. Depois, a cabeça e os membros são cortados fora e o animal sacrificado vai sangrar até a última gota antes de ser destinado à oferenda.
A oferenda
Depois do sacrifício, a moela, o fígado, o coração, os pés, as asas e a cabeça são separados e oferecidos ao orixá homenageado num vaso de barro, chamado alguidar. O sangue, recolhido numa quartinha de cerâmica (espécie de moringa), é derramado sobre o assentamento do santo, ou seja, o local onde ficam seus objetos e símbolos. As partes restantes são destinadas ao jantar oferecido aos orixás, ainda à tarde, e aos participantes, ao final da festa pública, à noite.
O padê de Exu
Este é também um ritual fechado ao público. Significa despacho de Exu. É ele quem faz a ponte entre o mundo natural e o sobrenatural. Portanto, é ele quem convoca os orixás para a festa dos humanos. Para isso, é preciso agradá-lo, oferecendo comida (farofa com dendê, feijão ou inhame) e bebida (água, cachaça ou mel). As oferendas são levadas para fora do barracão e a porta de entrada é batizada com a bebida, já que Exu é o guardião da entrada e das encruzilhadas (por isso é comum ver oferendas em esquinas nas ruas e em encruzilhadas nas estradas).

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Os Terreiros de Roraima





Luciney Araújo 
Cientista Social 


O trabalho de conclusão de Bacharelado em Ciências Sociais, O Mapeamento dos Terreiros de Matrizes Africanas em Boa Vista de Günter Bayerl Padilha, defendido no ano de 2008 na Universidade Federal de Roraima, aborda um tema bastante obscuro e ao mesmo tempo fascinante, Günter Padilha mergulha no universo do misticismo afro-religioso, apresentando como que de forma pioneira o mapeamento e a classificação das casas de candomblés e umbanda da Cidade de Boa Vista-RR.
Como toda pesquisa com temática africana, a escassez de referenciais bibliográficos e dados inconsistentes sobre africanos na região norte durante todo período colonial e a inquietação provocada de que a Região Norte era habitada somente por populações indígenas foram alguns tópicos que levaram o autor a buscar dados sobre as comunidades negras. Um dos pontos identificados durante o campo da pesquisa foi à forte migração ocorrida durante as décadas de 1980 e 1990, contribuíram para o surgimento e a preservação desses cultos em Boa Vista.
Sua pesquisa iniciada no ano de 2006, contou com incursões pelos bairros da cidade, e fora motivada por dados apresentados no Censo do IBGE em que cerca de 7.054 pessoas se denominavam como negras e deste universo cerca de 66 pessoas declaram junto ao IBGE que tinham como religião o Candomblé, levou o pesquisador com um faro antropológico mapear 21 terreiros e/ou pontos de cultos afros na Cidade de Boa Vista.
A miopia em que a antropologia e história configurada na apresentação de dados sobre as religiões de Matriz africana no Estado de Roraima assim como em outras partes da Amazônia começara a ter foco de visibilidade, pois a partir desses dados, Günter Padilha, tem como objetivo central de sua pesquisa, apresentar ao leitor as casas de Candomblé e Umbanda em Boa Vista, buscando suas origens e rastreando principalmente o local oriundo desses chefes de Culto.
A premissa inicial da pesquisa era a existência das conhecidas Bandeiras de Tempo, (uma bandeira branca hasteada em bambu) na qual demarcavam a existência de um axé. O primeiro traço foi apresentado no Bairro de São Vicente, em uma casa de culto de Nação Angola e que tem como Tatá de Inkisse Tatá Boculê, cujo suas raízes de parentesco se encontram na Cidade de Manaus, sendo filho de Tatá Mutalambô (Wilson Falcão Real – Fundador da Nação Angola no Amazonas).
Tatá Boculê foi peça chave na construção da pesquisa, pois além de objeto de estudo foi o principal informante de Günter Padilha, pois seus contatos contribuíram para que o leque de terreiros fosse mapeados, e contribuiu para além do objetivo central da pesquisa, pois além das casas, o pesquisador obteve dados como origem dos Sacerdotes e Sacerdotisas e aos calendários litúrgicos das casas.
Durante sua incursão a campo, foi observada a presença de bandeiras de cores verde, amarela e vermelha que assim como as bandeiras brancas, representavam assentamentos de caboclos e de casas de cultos de Umbanda.
Ao fazer uma descrição densa sobre as casas de culto, foi tomado o cuidado em descrever os detalhes existentes nas Casas, identificando ao leitor todos os assentamentos sagrados e seus significados litúrgicos, identificando ainda cada Orixá, Vodum, Inkisse, Caboclos e Encantados que são cultuados em cada uma dessas Casas. Predominando acima de tudo uma supervalorização dos símbolos sagrados e de ícones religiosos tanto católicos, indígenas e africanos
Das 21 casas de cultos visitadas pelo pesquisador, os dados apresentados indicam que cerca de 71% dessas casas tem a Umbanda como seu principal culto e cerca 29% tem o candomblé como principal culto de matriz africano. Outro dado pertinente apresentado é quanto a origem dos dirigentes dessas casas, o pesquisador identificou que nas casas de culto africano de Boa Vista 52% dos Sacerdotes e Sacerdotisas são maranhenses e 48% são oriundos de Estados como o Amazonas e outros Estados do Brasil. Dados apresentados nesta pesquisa apontam que apenas Mãe Silvia como única iniciada no Estado de Roraima.
Dentre outros dados apresentados durante a Pesquisa, observou-se que os cultos africanos no Estado têm cerca de 20 anos, possuindo uma Associação e uma Federação de Culto no Estado que é responsável por políticas publicas junto às comunidades e terreiros afros no Estado de Roraima.
A pesquisa de Günter Padilha vem para mostrar que a existência de Casas de Cultos Afros em Roraima, na contramão de que se ensina a história, demonstra que cultos de matrizes africanas no Estado são frutos não apenas de uma diáspora africana datada do século XVIII, mas de uma migração ocorrida durante o apogeu do ouro e de novas fronteiras no extremo norte do Brasil

Bibliográfica Consultada
PADILHA, Günter Bayerl: “Mapeamento dos Terreiros de Matrizes Africanas em Boa Vista”. 2008. 76 f. Monografia (Graduação em Ciências Sociais – Bacharelado em Antropologia) – Universidade Federal de Roraima

A Resposta de Roraima

Eliakin Rufino



Caros amigos e amigas do Brasil e do Mundo:

Circula na Internet um texto que pretende alertar todos nós sobre a iminente invasão norte-americana em Roraima, em busca de (pasmem!) PETRÓLEO. O autor do texto, ou os autores, após algumas informações superficiais colhidas sem critério numa rápida visita , atestam a atual ocupação e anunciam para breve a invasão total de Roraima.

O tema central do texto, essa previsão mirabolante e doentia, já causa espanto pela demência, pela paranóia e pela cara de pau. Com certeza, meus caros amigos e amigas, esse texto é de autoria do resquício mais nojento da ditadura militar no Brasil: a extrema-direita. Não esqueçam que foram eles, os ideólogos da extrema-direita, que divulgaram recentemente que nos livros didáticos dos estudantes norte-americanos, a Amazônia aparecia como de propriedade mundial. É aquela velha paranóia da ‘internacionalização da Amazônia’. Eu pensava que essa canalha já tinha se recolhido. Foi no colo deles que a bomba do Rio Centro explodiu. Eles sempre foram péssimos com artefatos explosivos, seja uma bomba, seja um texto na Internet.

Em primeiro lugar, é bom ressaltar, que o único currículo do autor do texto é ser ‘pessoa conhecida e séria’. Ora, isso é piada. Pessoa ‘conhecida’ de quem?  Pessoa ‘conhecida’ e ainda por cima ‘séria’, aí já é demais. Séria? Pessoa séria escrevendo um texto desses? Fala sério!

Outro dado do texto é que o autor ‘passou em concurso e foi trabalhar em Roraima’. Lá, de repente, o recém-concursado tomou contato com um ‘Brasil que a gente não conhece”. Um Brasil onde ‘é difícil encontrar roraimense’. Ora, a sociedade roraimense é composta por brasileiros de todas as partes do Brasil. Brasileiros como esse autor do texto que foi para Roraima trabalhar, prestou um concurso e tal. Brasileiros que encontram em Roraima um lugar digno e bom, bem diferente da falta de oportunidades, da pobreza e – muitas vezes - da miséria na qual viviam em seus estados de origem.

A multiculturalidade de Roraima já rendeu até uma classificação dos seus habitantes: os roraimenses, que são aqueles que nasceram lá e amam sua terra; os roraimados, que são aqueles que não nasceram lá, mas foram pra lá, gostaram, adotaram e foram adotados pela terra e também amam a nova terra. E, por último, estão os roraimosos, oportunistas, golpistas, picaretas e abutres engravatados que foram para Roraima se dar bem, explorar, sugar, depredar e sair falando mal.

O autor aponta a diversidade cultural e a sócio-diversidade roraimense como responsáveis pela ‘falta de identidade com a terra’. Pena que o autor do texto só conversou, de acordo com ele, com ‘engenheiros, pessoas do povo e vendedores ambulantes’ . Tivesse ele visitado algum espaço cultural, teria tomado conhecimento do Movimento Cultural Roraimeira  que grande contribuição prestou na construção da identidade roraimense nos últimos 25 anos. Quem quiser saber mais sobre o movimento basta ver o documentário Roraimeira – Expressão Amazônica, de Thiago Bríglia, exibido para todo o Brasil em 2009, na série DOC-TV da Rede Brasil.

O autor afirma que todos são funcionários públicos em Roraima. Inclusive ele, o autor do texto, que se diz aprovado num concurso para trabalhar em Roraima. Por que essa pessoa ‘conhecida e séria’ não chegou para trabalhar na iniciativa privada? A Economia roraimense é parcialmente movida com o dinheiro dos funcionários públicos porque fomos, durante 47 anos, o Território Federal de Roraima, área de segurança nacional, onde todos os empregos eram federais. E esse papo de que ‘não existe indústria de qualquer tipo’ é mentira, maldade e desinformação. Existe a Federação das Indústrias de Roraima – FIER – responsável atualmente por milhares de empregos.

As reservas indígenas, que o autor do texto parece odiar, é racismo mesmo. Um estado como Roraima, onde vivem 10 povos indígenas diferentes, precisa demarcar essas reservas para garantia da integridade e da sobrevivência desses povos. O autor revela total indignação de que o tráfego na rodovia BR174 seja suspenso durante a noite ‘para que os índios não sejam incomodados’.

Para falar a verdade, meus amigos e amigas, eu não sei como esse texto pode convencer ou impressionar alguém. Desculpem, mas ‘bandeiras americanas, inglesas e japonesas hasteadas nas entradas das reservas indígenas’ é doença mental.  Se os índios falam sua língua nativa e outra língua é porque vivem na fronteira. Os que estão próximos da Guiana falam inglês, os que estão próximos da Venezuela falam espanhol. E até os habitantes de Boa Vista, que passam férias em Margarita, arriscam um portunhol.

O que causa espanto maior ainda é o no final do texto o autor afirmar que ‘saio de Roraima com a certeza de que em breve o Brasil vai diminuir de tamanho’. Ora, e o concurso que ele passou? E a oportunidade de ter, finalmente, um emprego digno e viver numa cidade linda? Será que ele ficou com tanto medo assim da invasão norte-americana? O que foi que ele viu em Roraima que saiu correndo e alertando a todos nós sobre o perigo da guerra?

Como sou roraimense e passei toda a minha vida convivendo com esse discurso colonizador e racista, sei exatamente o que pretendem os seus autores.  Responsabilizar os índios pelo atraso Roraima, ajuda a esconder os verdadeiros responsáveis: os corruptos, os ladrões do dinheiro público. Inventar uma possível invasão norte-americana, mascara a invasão que está sendo feita por maus brasileiros que trabalham na extração criminosa da madeira e nos garimpos ilegais.

Os norte-americanos, meus amigos e amigas, já invadiram há muito tempo. Com os filmes, os livros best-seller, a música, o hambúrguer, o hotdog, a coca-cola, o jeans, o american way.  Invasão norte-americana em Roraima em busca de Petróleo? Conta outra

De Inzo Muzambo Tata Mutalembê ao Abassá de Angola Nengua Keuamazi: O Candomblé de Angola em Manaus

 
Luciney Araújo
Cientista Social 
 
 
Foto: Luciney Araújo



“... bem junto ao solar, se agrupavam os angolas – gente festeira, também, barulhenta, que já andava toda em volta de um candongueiro, num baticum ferrenho... [1]“.
 

A escravidão remodelou as famílias africanas trazidas como escravo para a América. Submetendo-as a um ritmo de trabalhado compulsório, impôs novas crenças e um novo modo de vida cotidiana que pressupunha uma nova maneira de contar o tempo e de concebê-lo. A cultura religiosa africana foi desenvolvida no Brasil através do conhecimento de sacerdotes negros, que com parte de seu povo, foram capturados e escravizados entre 1532 e 1888, juntamente com seus Deuses[1]. Com o "fim" da escravatura em 1888, o candomblé[2] se expandiu consideravelmente, e prosperou muito desde então.
Os primeiros autores que estudaram as religiões de matriz-africana indicavam a existência de outras formas de manifestação religiosa que se diferenciavam de algumas casas de cultos tradicionais da cidade de Salvador, como é o caso das Nações Angola e Jeje. Autores como Edson Carneiro[3] (1991), Artur Ramos[4] (1962), Ruth Landes[5] (1967), Nina Rodrigues[6] (1988) já apresentavam em seus estudos uma diversidade étnica entre os descendentes de africanos que tinham o candomblé como religião. Até a primeira metade do século XX os estudiosos apresentavam o candomblé como uma única religião oriunda do continente africano. Com o desenvolvimento dos estudos sobre religiões de origem africana se percebeu que haviam diferenças entre as “nações”.
No livro “A Cidade das Mulheres” Ruth Landes (1967) aponta o candomblé como um “culto feiticista africano” e que gira em torno de “uns dez deuses oriundos do oeste africano”, precisamente das regiões onde o tráfico de negros para o Brasil fora intenso, especificamente da nação nagô. Com isso, as pesquisas realizadas sobre as religiões de matriz africana no Brasil até meados da década de 1980, apontam uma predominância dos cultos nagôs sobre as demais nações que se estabeleceram com a diáspora africana.
 Estudos apresentados por Edson Carneiro apontam que desembarcaram no Brasil, negros pertencentes a outras nações, como é o caso dos negros Bantos, levando a crer que a o candomblé realizado no Brasil possui elementos pertencentes a outras etnias e clãs oriundos do continente negro e que com sua diáspora, e até mesmo o local de trabalho para onde esses negros eram encaminhados, colaboram para um sincretismo religioso onde muitas vezes nações africanas se misturavam e juntavam elementos para preservação de sua cultura religiosa.
Autores como Reginaldo Prandi[7] (1991), Sérgio Ferretti[8] (1983), Stefania Capone[9] (2004) começam a desmistificar a noção de que o candomblé era uma nação pura, e inicia apresentação das diferentes nações que formam o candomblé no Brasil.
A legitimidade e a pureza, apresentada nas diversas nações de candomblé, existentes na cidade de Manaus, partem da premissa da chegada dos negros no Amazonas. Essa legitimidade, tanto no Candomblé de Angola como no de Nação Ketu utiliza a categoria de pureza na demarcação de sua categoria a fim de marcar sua identidade e legitimação.
Em estudos sobre religiosidade de matriz africana na região amazônica, o Antropólogo Sergio Ferreti (1983) apresenta uma lacuna sobre dados dessas religiões no Estado do Amazonas, apontado para o fato da presença de escravos na região amazônica ser pouco estudada e também pela proporção de números de escravos que vieram para a região. Os estudos mais conhecidos sobre as religiões de matriz africana no Estado do Amazonas, obras são dos pesquisadores Chester Gabriel[10] (1985), Nunes Pereira[11] (1947), Mario Ypiranga Monteiro[12] (1983) e comunicações do pesquisador Geraldo Pinheiro a Nunes Pereira. No ano de 2005, a Cientista Social, Glacy Ane A. de Souza[13], apresentou seu trabalho monografia intitulado “A Festa do Povo de Santo”, na qual faz uma leitura etnográfica de três terreiros de candomblé na cidade de Manaus.
Na cidade de Manaus, assim como em outros centros do país a instituição do Candomblé de Angola como religião data apenas da segunda metade do século XX[14]. Diferente das outras cidades Manaus sofria uma grande influência de terreiros de origem Jeje[15], elementos indígenas, de umbanda e batuques[16], conforme relatos de Chester Gabriel (1985) de que “em Manaus, no período de 1970-73, todos os grupos pareciam ter ainda uma forte base de catolicismo”[17].
            Gabriel (1985) afirma que:


“Nesse período todos os grupos existentes em Manaus eram considerados de cultos mistos e a denominação religiosa que mais se aproximava do candomblé era o batuque”.
 
            O autor afirma que, esses batuques que eram realizados na cidade foram apresentados como de linhagem africana devido o uso de tambores, e tinham suas origens casas de culto afro tradicionais como as de Belém e do Maranhão.
            No entanto:

“Os batuques que se encontram em Manaus, hoje não são mais o que eram, naquele tempo; nem se assemelham às descrições da Casa das Minas que ainda existem em São Luiz no Maranhão”[18].
           
            O autor apresenta a denominação do batuque em Manaus, apresentando o batuque como de linhagem africana, Angola ou até mesmo africano, mas não apresentavam elementos encontrados nos candomblés africanos, como os rituais de iniciação, feitura e entre outros, pois os batuques que eram apresentados em Manaus não apresentavam esses elementos, e pouca coisa o distinguia como africano ou de tradição africana pura.
            O autor afirma que:

“O batuque nunca funcionou totalmente como casa de culto Mina-Nâgo. Nenhum dos filhos/filhas recebeu iniciação completa, como o retiro na “camarinha”... como é costume naquele culto. Os filhos/filhas deste batuque simplesmente foram submetidos a um banho especial de ervas... aplicado à cabeça do médium para reconhecer e confirmar seus caboclos. Tampouco os rituais dos centros eram inteiramente Mina-Nâgo, exceto pelo fato de terem tambores, o tipo da decoração e a observância de certos dias de festa”[19].

Com isso, os dados apresentados pelo autor apontam que, até meados da década de 1970, a inexistência de um Candomblé de Nação Angola, ou seja, a predominância de cultos denominados afros era representada pelo Batuque, na qual apresentava elementos sincréticos com outras formas religiosas, como o catolicismo, o kardecismo e a pajelança.
Gabriel (1985) faz um levantamento detalhado dos cultos afros na cidade de Manaus, onde o autor aponta apenas a existência de Centros, Mesinha de Cura ou Banquinha de Cura de Batuque e Tambores que até no inicio da década de 1970 eram vistos como de tradição africana ou linha africana, porém não se faziam os rituais completos de iniciação e nem festas dedicados os Inkissess. Esses dados levantados por Gabriel vão ao encontro com relatos e entrevistas coletados no Abassá de Angola, de que apenas em 1975, com a chegada do Tata de Inkissess baiano Wilson Falcão que se teve o primeiro toque para Inkisses em terras amazonenses, que fora realizado.
O candomblé é fruto de tradições e nações – jeje, nagô ou angola-, os terreiros são frutos de um processo histórico, uma nova reconstrução de identidades de tradições religiosas africanas e que preza uma visibilidade e uma reaproximação com um complexo cultural-religioso africano, onde a oralidade e a incorporação de novos símbolos visam buscar essa reafirmação e constitui uma filosofia de vida, Geertz aponta que:


(...) significados transmitidos historicamente, incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades e relação à vida[20].

Nos depoimentos colhidos durante as pesquisas de campo realizadas no Abassá de Angola, o posicionamento de ambos informantes aponta que foi Tata de Inkisses Wilson Falcão Real a pessoal responsável pela formação da primeira família de candomblé de Angola em Manaus, datando de meados da década de 1970.
O babalaxé Jorge Nascimento conta que em Manaus não existia candomblé de Angola, e que segundo ele, o que se tinha como religião de matriz africana era a encantaria e a umbanda, conforme seu relato:

“O que tinha muito em Manaus era o Tambor de Mina, eram os mineiros que dominavam com a encantaria de mina. Não existia candomblé no Amazonas. A primeira vez que o Wilson veio pra cá, ele fez candomblé na casa do seu Raimundo Branco que era no São Jorge e que era terreiro de mina. E ele fez e apresentou o candomblé pela primeira vez ao Amazonas, e ninguém sabia o que era porque não se cantava em língua banto e em língua ioruba. Só era o povo de mina, e se cantava mina e se falava o português.” (Depoimento de Jorge Alberto).

            Segundo relatos da Sacedortiza de Angola Mameto Lembajinam:

“Foi o senhor Wilson Falcão Real (Tata Mutalembê[21]), responsável pelo primeiro toque de Candomblé de Angola no Amazonas (...) e foi realizado em uma casa de Tambor de Mina pertencente a Raimundo Branco.” (Depoimento de Mameto Lembajinam).

O próprio babalaxé Jorge Nascimento, afirma que o Candomblé de Angola em Manaus teve inicio com Tata Mutalambê, abordando que:

“Existe por conta de Wilson Falcão Real, que foi quem veio de Brasília para vim para cá, após ter saído de Salvador para o Rio de Janeiro, lá do Rio de Janeiro e me Salvador ele já era criado dentro de roda de candomblé. De Salvador ele foi para o Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro ele encontrou sua tia carnal que era ialorixá e que foi quem o iniciou na religião, que eu não estou lembrado do nome agora, mas minha mãe sabe e eu tenho anotado em algum lugar; (...) Na verdade, a primeira casa a ministrar candomblé em Manaus foi à casa de Raimundo Branco com o recolhimento do primeiro barco em Angola, e foi a primeira vez que o candomblé foi apresentado para o Amazonas, e foi em Angola..” (Depoimento de Jorge Nascimento).

            Com isso, ambos os depoimentos apontam que o surgimento da Nação Angola em Manaus, tem com responsável Falcão Real (Tata Mutalembê­).
            Comparando os depoimentos colhidos no Abassá de Angola com dados apresentados por Chester Gabriel (1985), levam a crer que a instituição do Candomblé de Angola de Angola deu-se em meados da década de 1970 e apontam Wilson Falcão Real como precursor da religião na cidade de Manaus e promovendo a saída de um primeiro barco[22] de iniciados no candomblé de Angola.
            Nascimento, afirma que Wilson Falcão Real veio para o Amazonas a convite do Sacerdote de Mina Raimundo Branco, e constatou que não existia o candomblé de Nação em Manaus. Em seu depoimento Nascimento, afirma que sua a chegada de Wilson data do final da década de 1970, e em 1978 se teve pela primeira vez em Manaus um festa dedicada a deuses africanos. Segundo seus relatos:

“Foi no fim da década de 1970 em 1978 por aí assim. Mas o que foi quê aconteceu, foi quando foi apresentado o candomblé no Amazonas, foi à primeira vez em que ele fez um candomblé. E ele veio fazer e foi embora, voltou para Boa Vista, e de Boa Vista foi para Brasília e de Brasília retornou para o Amazonas de novo, e dessa vez fixando residência aqui. Foi quando saiu o primeiro barco de candomblé, o primeiro barco de Angola em Manaus, e que foi o barco de minha mãe. (...) E foi a primeira vez que o povo viu Orixá aqui no Amazonas, e que foi o barco dela, que saiu ela, que foi a primeira Oxum[23] raspada dentro do Amazonas” (Depoimento de Jorge Nascimento).

No ano de 1975, Wilson Falcão Real vem a Manaus a convite do Sacerdote de Mina Raimundo Branco, para acompanhar os festejos das entidades da casa, e passa a ser a figura central da constituição do Candomblé de Nação Angola no Amazonas. Sendo que três anos após sua chegada tiraria o primeiro barco de candomblé e fundaria o Candomblé de Nação Angola em Manaus.
Nascimento, conta que Wilson vem para Manaus apenas acompanhar um festa de Tambor de Mina, e acaba ficando na cidade e estruturando o candomblé em Manaus, segundo seu relato:

“O seu Raimundo Branco nas suas andanças pelo Maranhão trouxe um outro personagem dessa história, que tem como nome africano Bessi, que Bessi era um amigo de Wilson e que tinha vindo pra cá Manaus fazer uma festa de mina na casa de seu Raimundo Branco, e aproveitou e trouxe o Wilson, e o Wilson veio, e foi a primeira vez que o Wilson veio para cá. Inclusive minha mãe era para ser filha de Bessi, que tem o nome de batismo Guilherme. Então apareceu essa figura que trouxe o Wilson para cá, e que na verdade foi a principal responsável por tudo isso aqui, porque se não tivesse trazido o Wilson para cá, ele não retornaria e hoje não existiria essa casa. Que eu acredito que, ele não pensava em vir a Manaus, tudo isso na década de 1970”. (Depoimento de Jorge Nascimento).

O candomblé de angola funda sua própria estrutura organizacional em Manaus no ano de 1978, iniciando novos adeptos na religião. Esses novos iniciados passaram por uma preparação espiritual[24] para poder receberem suas entidades e exercerem cargos dentro do Angola. Alguns se tornariam mais tarde sacerdotes e sacerdotisas. Carneiro (1991) afirma que:


“Depois de efetivamente admitidas na comunidade, essas iniciadas se consideram filhas espirituais dos chefes do candomblé – é nesse sentido que se aplica a palavra mãe. Desde que toda a gente, dentro ou fora do fora do candomblé, tem um espírito protetor, que deve habitar o seu corpo, e desde que o chefe do candomblé precisa preparar a iniciada para receber,para receber ar undbendo o tiutgos dentro do Angola. Alguns se tornariam mais tarde sacerdotes e sacerdotizas, recebendo o tiut em si mesma, a visita mais ou menos freqüente da divindade, - um processo que exige tempo, convivência diária, prática de um conjunto de cerimônias secretas no interior do candomblé, com orquestra especial de tambores e de instrumentos musicais africanos[25].



Reginaldo Prandi[26] faz a seguinte definição sobre barco de yaôs:


“Conjunto de iniciados que são recolhidos, feitos e apresentados em público numa mesma época. (...) Há uma relação hier rquica entre eles, de tal modo que o primeiro tem precedência sobre todos os demais, o segundo sobre os que o seguem e assim por diante".[27]

    
Segundo afirmações do babalaxé Jorge Nascimento, o termo “Barco” no candomblé referi-se a um ritual de confirmação de mais de uma pessoa na religião, em seu depoimento sobre o candomblé de Nação Angola, ele expõe sobre esse ritual, pois segundo Jorge Nascimento:

“É o nome, é a festa de nome, é como o ritual é conduzido. É conduzido dentro dos costumes Bantos, que é o povo de Angola. O Banto é o povo de Angola, então dentro de isso aí, dentro dos rituais e dos costumes dos Bantos que foi ministrado a iniciação. O que a gente chama “tirar” no Angola é a mesma coisa que iniciar. É tirar de dentro do ronkó.” (Depoimento de Jorge Nascimento).

Mãe Dora conta que para a saída do primeiro barco de iaôs, Tata Wilson trouxe outras pessoas que pertenciam a religião e que possuíam cargos dentro do candomblé e conheciam os mistérios da religião; conforme seu depoimento:

“E veio Macota Izaura que é de Ogum de Ronda, que é Equedi do Oxóssi de meu pai há muito tempo, só que ela não mora mais aqui, a Izaura mora em Porto Velho há muito tempo e ela veio de Brasília e mandamos buscar Lamboazaze que é o ogam, o alabê do Oxóssi do meu pai. Então nós tivemos, nós quatro tivemos como mãe criadeira a Macota Izaura de Sambalajô que é a dijina dela e mandamos buscar também o Lamboazaze que é o Geraldo de Xangô, e a dijina dele é Lamboazaze, ele foi quem nos criou, ele foi quem nos deu todos os ensinamentos, o chamado rum. Ele quem nos deu os ensinamentos de tudo que meu pai ensinou, nós tivemos apenas três pessoas e não teve aquele enxame de gente. As coisas da gente foi toda feita pelas mãos de meu pai. (1978) 30 anos de santo[28]. E eles vieram de Brasília para cá, pois meu pai tinha roça em Brasília, e veio o Lamboazaze. (...) ninguém conhecia meu pai aqui (Wilson), ninguém conhecia ele aqui, e no candomblé estava assim, Manaus inteira (saída do primeiro barco), para encurtar a conversa, no dia da nossa saída foi tanta gente, tanta gente na Casa de Raimundo Branco. A Casa de Raimundo Branco tinha um barracão aqui assim, aí tinha três degraus de escadas, porque quando subia e descia, o assoalho era de madeira, menino, o assoalho da Casa do Raimundo Branco caiu, de tanta gente, pode perguntar a Dima[29]s. A Dimas é minha irmã de santo desde essa época.” (Depoimento de Mãe Dora).


Nascimento conta que Wilson teve que buscar em Brasília pessoas iniciadas no candomblé para poder formar uma nova família de santo em Manaus, segundo seu relato:

“E como o candomblé estava sendo introduzido naquele momento, naquele instante em Manaus, não existia nada disso. Então tanto é que Wilson Falcão teve que mandar buscar Geraldo de Brasília, Geraldo Lamboazaze para auxiliá-lo na iniciação dessa primeira turma, desse primeiro barco, teve que mandar buscar Isaura que era a sua equede, porque em Manaus não existiam equedes, e teve ainda que mandar buscar ainda o Tata Mutajire, que em Manaus não existiam axogum.” (Depoimento de Jorge Nascimento).

            Nascimento faz a afirmação de que Candomblé de Nação Angola não existia em Manaus, sendo que aponta apenas para existência de pessoas que praticavam a Umbanda e incorporavam caboclos, e que a casa de mina de Raimundo Branco era usada para se fazer candomblé nos dias comemorativos; conforme seu relato:

“Não tinha nada disso, Manaus só era abatazero e tambor de mina. Os cargos que tinham em Manaus era dos caras que tocavam atabaques porque não incorporavam com caboclos e as pessoas zeladoras, que não eram nem de santo, elas zelavam caboclos e encantaria, porque não existia orixá, não existia o que o povo chama de santo na linguagem popular, não existia orixá, existiam os encantados, existiam os caboclos, existiam os exus. Mas orixá no Amazonas não tinha, então os primeiros orixás a pisar em solo firme Amazônida, foi dessa primeira turma, desse primeiro barco. Então ele chamou todo esse povo de fora para auxiliá-lo, porque sozinho ele não podia fazer. Aí foi quando saiu à primeira turma. Tanto que eles foram cumprindo, o Wilson fixou residência aqui, e quando tinha que fazer alguma coisa, fazia na casa de seu Raimundo Branco, porque era o único que tinha a casa aberta e era zelador de mina e que o Wilson transformou, e passou a transformar na casa de Angola.” (Depoimento de Jorge Nascimento).

            Com saída desse primeiro barco de iniciados na religião, Tata Wilson, institui a primeira família de candomblé em Manaus, cujo quais quatro pessoas foram iniciadas, ambas com ordem e Nikisses diferentes, conforme relata Mãe Dora:


“Na época em que eu fiz santo, foram quatro pessoas comigo; o Dofono foi Raimundo Branco que era de Obaluaê, a dofomutinha foi a a Zenaide que é de Oxossi; o Fomo era o Paulo de Yansã e eu fui a Fomutinha que sou de Oxum” (Depoimento de Mãe Dora).

            Após a saída desse barco de yaôs, Wilson Falcão Real passou a ser visto como autoridade dentro do candomblé no Estado, ministrando o culto a principío na casa de Raimundo Branco e posteriormente passaria a uma casa de Umbanda pertencente a Maria do Flecheiro, e que se tornaria sua filha de santo. Conforme relatos de Jorge Nascimento:


“Daí todos os rituais de candomblé eram feitos na casa de seu Raimundo Branco em Angola, por Wilson Falcão, que era a maior, se tornou a maior autoridade em candomblé no Amazonas, até porque era a única autoridade de candomblé no Amazonas, até porque era a única pessoa que tinha conhecimento do culto e ministrava esse culto, e que tinha a permissão para ministrar esse culto. Então passou-se o tempo, minha mãe foi crescendo, o Wilson foi crescendo e da casa de seu Raimundo Branco o Wilson passou para a casa de Maria Dofana de Oxóssi, que era aqui no Lírio do Vale I.” (Depoimento de Jorge Nascimento).

            No fim da década de 1980, Wilson Falcão Real ganha um terreno na Estrada da Cidade Nova e constrói o Inzo Muzambo Tata Multambô, local onde Mãe Dora receberia o cargo de Yakekeré da casa, e se tornaria herdeira de Wilson Falcão Real.
Jorge Nascimento relata que:

“Passou um tempo e o Wilson ganhou um terreno na estrada da Cidade Nova, e lá ele montou a roça de Oxóssi, a verdadeira casa de Oxóssi. Foi quando ele passou a ter seu próprio terreiro, a sua própria roça, que até então ele só ministrava o culto na casa dos filhos que já tinham casa aberta, e quando eram umbanda e quando eram de mina, isso já nos anos de 1980. Então ele passou a ministrar em sua própria roça;(...) E lá minha mãe recebeu o cargo de iá kekerê, que é a mãe pequena da casa, ou seja, a segunda pessoa a se costurar. Aí o que acontece, ela passa a ser a segunda pessoa do zelador de santo da casa, passou a cuidar os irmãos como mãe. Mãe pequena é aquela que ordena a casa, aquela que toma conta da casa na ausência do babalorixá ou da ialorixá de frente, titular da casa; (...)Então a partir dessa roça de Wilson onde foi feita a casa de Oxóssi, Oxóssi predeterminou que a herdeira daquela casa seria mãe Dora, ela como mãe pequena, no dia em que o Wilson chegasse a faltar, ela como a mais velha da casa é quem assumiria o cargo de ialorixá da casa, da casa de Oxóssi.” (Depoimento de Jorge Nascimento).


            O Inzo Muzambo Tata Mutalambô funcionaria até o ano de 1990 ano em que Wilson Falcão Real[30] falece após uma parada cardíaca decorrente de uma agressão sofrida em frente a sua residência. Sendo que no ano de 1992, o terreno em que a roça de candomblé ficava localizada fora vendido sendo reaberta em 1996 em outro lugar após promessa feita por Mãe Dora.
Considerada a extensão do Inzo Munzanbo Tata Mutalembê o Abassá de Angola da Danda Keumaze é fundado no ano de 1996, em um terreno pertencente a família de Mãe Dora, preserva em sua estrutura religiosa elementos fincados por Wilson Falcão Real, tendo em sua essência os costumes do candomblé de Angola e em sua liturgia o culto a Nkisses, caboclos e boiadeiros. Após uma dádiva recebida por Mãe Dora, sendo ela Negua Guendala[31] de Tata Wilson herdara a primeira Roça.
A lacuna existente nos estudos sobre negros no Amazonas e principalmente estudos referentes à sua religiosidade é uma das dificuldades enfrentadas na construção pesquisa sobre o candomblé de Angola em Manaus, os dados encontrados na construção dessa pesquisa apresentam uma forte influencia das casas de culto de Tambor de Mina, como foram apontados por Chester Gabriel (1985), de que na primeira metade da década de 1970, existia em Manaus uma predominância de casas de Tambor de Mina. Com a chegada de Wilson Falcão Real na década de 1970, uma nova configuração das casas de culto afro se formaria na cidade, ou seja, a fundação de um Abassá, a saída de um barco de yaôs e muzenzas, a constituição de uma família-de-santo e a chegada de pessoas que exerciam “cargos” dentro da religião, ajudaram na formação de uma nova denominação religiosa na cidade.
            Os relatos apresentados por Mãe Dora apontam a importância de Wilson Falcão Real em sua vida, além de seu Tata de Inkisse, Wilson se tornaria amigo, confidente e até mesmo assumindo uma figura de pai. Sua iniciação no candomblé no ano de 1978 aponta novos rumos para essa religião no Estado, e configurou também em sua preservação, reorganização, reestruturação em um novo Abassá e uma nova família de santo.
            Existem em Manaus hoje, duas casas de candomblé de Angola, ambas localizadas no bairro do Lírio do Valle, com duas irmãs de santo em sua direção, Mãe Dora e Mãe Dimas, ajudam na preservação da memória de Tata Wilson Falcão Real, consideradas por elas como responsável pela iniciação de ambas Mametos de Nkisses na religião e na preservação dos costumes e ritos dos antepassados africanos.
Mãe Dora possui nove pessoas confirmadas como seus filhos de santo que são eles: Jeferson Coelho[32] que é o primeiro filho de Santo de Mãe Dora Altemar, Greice, Fabiano, Patrícia, Ruth, Pedro (Dinho), Carlos, Alberto (Betinho) e Janeth (Mameto Lembajinam). E que segundo relatos da sacerdotisa: “sem meus filhos o Candomblé de Angola não tinha força e são eles os responsáveis pela continuação a tradição na qual permaneço fiel a meu pai Wilson”.









[1] Orixás, IInkissess e Voduns.
[2] Olga Gudolle Cacciatetore (1977), em seu “Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros; Com origem das palavras”, define que a palavra Candomblé provém  alguns significados: Candomblé seria uma modificação fonética de "Candonbé", um tipo de atabaque usado pelos negros de Angola, ou  viria de "Candonbidé", que quer dizer "ato de louvar, pedir por alguém ou por alguma coisa”, ou ainda, de origem yorubana que significa "festa", ou o nome que se dá ao local onde são realizadas; abrangendo as seguintes nações e rituais: a) sudaneses – jeje (daomeanos), nagô (iorubá) – compreendendo os rituais ketu, ijexá, nagô, oyó - e compostos; b) Bantos – angola, congo e compostos; c) com influência indígena – candomblé de caboclo. Os deuses (Orixás) e rituais dos iorubá (nagô) predominaram e influíram sobre os outros. (Cacciatetore ,1977: 79).
[3] CARNEIRO, Edson: Religiões Negras - Negros Bantos. Editora Civilização Brasileira, 3° Edição. Rio de Janeiro, 1991.
[4] RAMOS, Arthur: Introdução à Antropologia Brasileira. Obras Complementas 1° Volume 3° Ed, Editora da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro, 1961.
[5] LANDES, Ruth: A Cidade das Mulheres. Tradução de Maria Lúcia do Eirado Silva. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1967.
[6] RODRIGUES, Nina: Os Africanos no Brasil. Editora UnB, Brasília; 7º Edição, 1988.

[7] PRANDI, Reginaldo: Os Candomblés de São Paulo - A Velha Magia na Metrópole Nova. São Paulo, Hucitec, 1991
[8] FERRETTI, Sergio F: Querebentã da Zomadonu. Etnografia da Casa das Minas. São Luís: EDUFMA, 1996, 2 ª Ed.
[9] CAPONE, Stefania: A Busca da África no Candomblé - Tradição e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Pallas e Contra-Capa, 2004.
[10] GABRIEL, Chester: Comunicação dos Espíritos - Umbanda, Cultos Regionais em Manaus e a  Dinâmica do Transe Mediúnico. São Paulo: Loyola, 1985.

[11] PEREIRA, NUNES, M: A Casa das Minas - O Culto dos Voduns Jeje no Maranhão. Petrópolis: Vozes, 1979

[12] MONTEIRO, Mário Ypiranga: Cultos de Santos & Festas Profano-Religiosas. Manaus, Imprensa Oficial, 1983. Nessa obra o autor apresenta dados sobre terreiros que prestam homenagens e batem os seus tambores em honra aos santos festejados; apontando uma forte influencia da umbanda e do tambor de mina.

[13] SOUZA, Glacy Ane A.: A Festa do Povo-de-Santo – Festas em Terreiros de Batuque de Manaus. 2001. 127 f. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus. 2005.

[14] Reginaldo Prandi aponta que o candomblé coma religião chega a São Paulo apenas na década de 1950. 1991: 92
[15] Dados de Chester Gabriel (1985) e Nunes Pereira (1979) apontam uma forte influência em Manaus de Cultos denominados Afros provenientes das Casas Maranhenses, como a Casa das Minas e a Casa da Turquia.
[16] Parés (2006), o termo batuque era frequentemente utilizado no século XVIII como referência aos ajuntamentos de negros que envolvem danças e toques de palmas, tambores ou outros instrumentos. PARÉS, Luis Nicolau: A Formação do Candomblé: História e ritual da nação jeje na Bahia. Editora Unicamp, Campinas, 2006. pg  121)
[17] GABRIEL Chester: Comunicação dos Espíritos - Umbanda, Cultos Regionais em Manaus e a Dinâmica do Transe Mediúnico.1985: 86
[18] Ibdem, pg: 110
[19] Ibdem, pg:113
[20] GEERTZ, Clifford: A Interpretação das Culturas. Editora LTC. Rio de Janeiro, 1989. pg 103.

[21] Nos terreiros de Nação Angola, Wilson Falcão Real tinha como sua dijina o nome Tata Mutalembê; (Notas de diário de campo do dia 05 de Abril de 2007).
[22] Reginaldo Prandi (1991) afirma que o termo Barco de iaôs é o conjunto de iniciados recolhidos e raspados ao mesmo tempo. Um barco de iaôs pode ter desde um noviço até vinte ou mais.
[23] Mãe Dora é a primeira filha de santo raspada para Dandalunda (Oxum na Nação Ketu) Notas de Diário de Campo em 21 de junho de 2006 .
[24] Carneiro afirma que “fazer o santo” vale por uma segunda educação.
[25] CARNEIRO, Edison: Religiões Negras, Negros Bantos. pg 103
[26] PRANDI, Reginaldo: Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. 1991: 245
[27] PRANDI 1991: 245
[28] Grifo meu.
[29] Mãe Dimas, também conhecida como Mameto Taumbire foi iniciada no candomblé por Tata Wilson, sendo irmã de Mãe Dora.
[30] Wilson Falcão Real nasceu na Bahia no ano de 1946, iniciou aproximadamente 45 pessoas no candomblé e chegou a exercer o cargo de Diretor do Teatro Amazonas; Notas de diário de campo em 21 de novembro de 2006.
[31] Também conhecida como Mãe Pequena de uma casa de Candomblé; (Notas de Diário de Campo em 21de Novembro de 2007).
[32] hoje é Babalorixá de Ketu (Notas de diário de campo)


[1] Extraído do Livro “O Trono da Rainha Jinga” de Alberto Mussa.